domingo, 20 de dezembro de 2020

ROCK - Suas Histórias & Suas Magias - Capítulo 11 Parte 3

Os Movimentos Sociais da Década de 60 – Parte 3 


4. Há mais de 55 anos acontecia a Marcha de Selma a Montgomery 
Gabriela da Costa Gonçalves - Palmares Fundação Cultural (08 março 2019) 
http://www.palmares.gov.br/?p=53556 

A Marcha Pelos Direitos Civis marcou um momento histórico na luta do povo negro americano, onde cerca de 600 pessoas marcharam de Selma, cidade do Alabama, até a capital Montgomery, para reivindicar direitos básicos e fundamentais. 


O movimento pelos direitos civis nos Estados Unidos teve início em 1955 para garantir a luta dos negros estadunidenses e abolir a segregação racial no país. A situação da população negra nos EUA retratava a inferiorização a qual o povo negro estava submetido em relação ao povo branco. As leis de Jim Crow institucionalizaram a separação entre negros e brancos, utilizando o lema ”Separados, mas iguais”. As leis proibiam por exemplo, casamentos inter-raciais e separação de escolas, parques e prisões. 
Em 1° de dezembro de 1955, em Montgomery, Rosa Parks entrou para a história quando se recusou a se levantar para que um homem branco sentasse em seu lugar no ônibus e acabou sendo presa, julgada e condenada. O caso de Parks e o surgimento de outros movimentos impulsionaram a luta pelos direitos civis nos EUA. Um dos primeiros atos realizados foi o boicote ao transporte público de Montgomery, que ficou à beira da falência devido esta manifestação. Além deste episódio, o movimento pelos direitos civis nos EUA ficou conhecido por outros momentos importantes como a Marcha de Washington, que reuniu cerca de 1 milhão de manifestantes e foi liderada por Martin Luther King. Os manifestantes marcharam até a capital do país para protestar em favor da igualdade de direitos. 


No dia 7 de março de 1965, manifestantes negros caminhavam pacificamente de Selma até Montgomery reivindicando o direito dos afro-americanos irem às urnas, direito esse que foi retirado por conta da segregação racial. A multidão acabou bloqueada perto da Ponte Edmund Pettus sobre o Rio Alabama e a polícia agrediu violentamente os participantes do protesto, no episódio que ficou conhecido como Domingo Sangrento. 
Os estudantes realizaram marchas em Selma que quase sempre acabavam em violência policial e até prisões dos manifestantes, com a intensificação das manifestações jovens que integravam a Ku Klux Klan eram chamados para perseguir os ativistas. 
Os negros representavam metade da população de Selma, mas apenas 2% da população era registrado como eleitor, e essa característica se repetia em vários estados no Sul dos EUA. 


No dia 9 de março intitulada de “Terça-feira da reviravolta” os manifestantes tentaram novamente atravessar a ponte, desta vez com a presença de Martin Luther King, onde manifestantes e polícia ficaram frente a frente, mas para evitar um novo confronto, King convenceu os militantes a não seguir adiante naquele momento. A terceira tentativa ocorreu em 16 de março, os manifestantes em sua maioria negros, mas alguns asiáticos e latinos marcharam ao lado de King até serem cercados por dois mil soldados americanos, membros da Guarda Nacional e agentes do FBI; os manifestantes avançaram 16 quilômetros pela “Rodovia Jefferson Davis”. Finalmente, em 24 de março chegaram a Montgomery e a Câmara Legislativa do Alabama em 25 de março. 
No dia 7 de agosto de 1965, o presidente Lyndon Johnson assinou a Lei que dava o direito ao voto, uma importante conquista que representou a vitória da Marcha de Selma. Essa manifestação revelou a força da convicção de centenas de afro-americanos pela luta por direitos humanos básicos. 

Famosa foto de Amelia Boynton após sofrer sério espancamento 
e afogamento por gás lacrimogênico numa foto que rodou o mundo 

Em 2015, Amelia Boynton Robison, uma importante ativista defensora dos direitos civis nos EUA e figura de grande importância durante a marcha em defesa do direito ao voto em Selma foi conduzida em sua cadeira de rodas pelo ex presidente Barack Obama durante uma celebração para lembrar ao momento histórico de 7 de março de 1965. 
A história da Marcha pelos direitos civis foi contada no filme “Selma, uma história pela igualdade” lançado em 2014, que retrata a luta do ativista Martin Luther King e dos militantes pelos direitos civis da população negra nos EUA. 



Selma Official Trailer (2015) 



Selma - Scene filmed on bridge named for KKK leader 



Selma - The Real Selma Footage 



The Story of Bloody Sunday, March 7, 1965 



Reflections on the Greensboro Lunch Counter 



5. Movimento dos Direitos Civis nos EUA 
Por Camila Caldas Petroni 
Mestre em História (PUC-SP, 2016) 
Graduada em História (PUC-SP, 2010) 

Nos Estados Unidos, a escravidão foi abolida em 1865, ano em que a Guerra Civil Americana, iniciada em 1861, chegou ao fim. Porém, o fim do sistema escravista não garantiu direitos básicos aos ex-escravizados, e muitos grupos sulistas não aceitavam a ideia de que os negros libertos possuíssem direitos iguais aos dos brancos. 
Antes mesmo do fim da guerra, muitos estados do Sul escravista possuíam políticas segregacionistas, como leis antimiscigenação, que proibiam o casamento entre brancos e negros. Mas, com a abolição da escravidão, a defesa dessas políticas foi intensificada por alguns grupos, como a sociedade secreta Ku Klux Klan, formada em 1865. 

Foto de Rosa Parks registrando suas impressões digitais na 
Polícia de Montgomery em 1955 
Foto/Associated Press 

O federalismo estadunidense permitia que cada estado possuísse suas leis próprias. Assim, um conjunto de leis adotadas a partir da década de 1870 no Sul do país, chamado pejorativamente de “Jim Crow”, oficializou a segregação racial nessa região. 
Tais leis definiram, por exemplo, que os negros não ocupassem os mesmos locais que os brancos em serviços públicos, como escolas, transportes e hospitais, e privados, como hotéis, restaurantes e teatros. Esses locais deveriam estabelecer instalações diferentes para os dois grupos. Havia, também, leis que determinavam regras para o casamento e a miscigenação. 
Porém, houve resistência desde o surgimento dessas leis, incluindo a própria luta pelos direitos civis da população negra e a criação de organizações como a National Association for the Advancement of Colored People (NACCP, Associação Nacional para o Progresso de Pessoas de Cor, em português), fundada em 1909. No entanto, as primeiras vitórias seriam efetivamente conquistadas somente na década de 1950. 
Um dos principais acontecimentos que simbolizam essa resistência data de 1955, quando Rosa Parks, membro da NACCP, ao pegar um ônibus no Alabama não cedeu seu lugar a um passageiro branco quando o veículo ficou lotado. Embora estivesse sentada em uma fileira permitida aos negros, a lei determinava que cedessem seu assento aos brancos quando o veículo lotasse. 
Parks foi presa. Liberada após pagara uma fiança, uniu-se a Martin Luther King, pastor e líder de movimentos pelos direitos civis dos negros nos EUA e de um boicote contra o sistema de ônibus organizado alguns dias após o ocorrido com Parks. O boicote permaneceu por mais de um ano, e, em 1956, a Suprema Corte dos EUA declarou inconstitucional a segregação racial em transportes públicos. 
Ainda na década de 1950, a fundação da Conferência da Liderança Cristã do Sul (SCLC, sigla em inglês), por Luther King, representou mais um marco do movimento dos direitos civis nos EUA, defendendo a resistência pacífica. 
Em 1963, a Marcha sobre Washington, liderada por Luther King e demais militantes, reuniu cerca de 250 mil pessoas contra a segregação racial. O amplo movimento pacífico influenciou a aprovação de leis que garantiam direitos à população afro-americana. 
A primeira e mais importante delas foi a Lei dos Direitos Civis, de 1964, que encerrou as leis de segregação racial nos EUA, e permitiu, legalmente, que a população negra frequentasse os mesmos locais e ocupasse os mesmos lugares que a população branca, e ocupasse os mesmos lugares. Além das discriminações raciais, a lei pôs fim a discriminações religiosas e de nacionalidade no país. 


Ainda nesse momento, ganhariam força e surgiriam outros líderes e organizações na luta pelos direitos da população afro-americana, adotando novos discursos e estratégias. Um exemplo desses movimentos é a Organização da Unidade Afro-Americana, fundada em meados de 1964 por Malcolm X. De tendência separatista, defendia a união dos afro-americanos para combater a opressão vivenciada pelos negros e o racismo. 
Dois anos depois, Huey Newton e Bobby Seale fundaram o Partido dos Panteras Negras, com a ideia de formar uma comunidade para combater a opressão e violência sofridas pelos negros, e, com um discurso anticapitalista, defender a liberdade, a terra, emprego, educação e outros direitos para essa população. 


O aparecimento de novos movimentos afro-americanos mesmo após a mencionada aprovação das leis que garantem seus direitos nos mostra que essa população continuou – e, ainda hoje, continua – lutando pelo respeito a esses direitos e pelo fim do preconceito. 


6. A luta pelos Direitos Civis de Lincoln a Martin Luther King 

“...o gradual desenvolvimento da igualdade é uma realidade providencial. Dessa realidade tem ele as principais características: é universal, é durável, foge dia a dia à interferência humana; todos os acontecimentos assim como todos os homens servem ao seu desenvolvimento. Seria prudente imaginar um movimento social de tão remotas origens pudesse ser detido por uma geração? Pode-se conceber que, após ter destruído o sistema feudal e vencido os reis, irá agora a democracia recuar ante a burguesia e a classe rica? Agora que se tornou tão forte, e tão frágeis os seus adversários, deter-se-á ainda?” 

Após quase meio século de silencioso descontentamento, na década dos 50 os negros norte-americanos voltaram a reagir contra a situação de inferioridade e exclusão que as leis dos brancos os condenaram. Ergueram-se contra a discriminação e a segregação racial que sofriam no seu país. Por todos estados do Sul dos Estados Unidos imperavam ainda velhas leis racistas que nos tornaram párias sociais, ou um meio-cidadão. Se nos convocam para servir no exército e lutar nas guerras, mas impediam-nos de votar e de freqüentar uma escola pública com os demais brancos. Negavam-lhes hospedagem nos hotéis e nem em lanchonetes eram atendidos. 
Foi este estado de coisas chocante que foi questionado pelo Civil Reigths Movement, o Movimento pelos Direitos Civis, que tomou corpo então. Como pano de fundo, alimentando a contestação, estava o processo de emancipação do Terceiro Mundo, quando os povos de cor da Ásia e da África iniciaram a luta pela descolonização. Eles não aceitavam mais o estatuto colonial em que estavam submetidos, subjugados pelos colonizadores europeus. Houve, portanto, uma mútua influência entre o processo de Descolonização do Terceiro Mundo e a retomada do Movimento dos Direitos Civis dos negros norte-americanos. Mas estes, os americanos, achavam-se na retaguarda, o que levou o escritor James Baldwin a dizer que parecia mais fácil “a África inteira conseguir a sua liberdade antes de nós conseguimos tomar sequer uma xícara de café”, num bar dos brancos. (*) atribui-se a demora pelo ressurgimento desse movimento ao clima de Guerra Fria criado no após-guerra e ao macartismo (1946-1954), que facilmente poderia acusar os defensores dos direitos civis como “comunistas”. 
Das grandes personalidades que emergiram nesse duplo movimento de emancipação, africano e americano, nenhuma atingiu a universalidade e a popularidade do reverendo Martin Luther King, Jr., Prêmio Nobel da Paz de 1964, e que terminou por ser assassinado em 4 de abril de 1968, em Memphis, a capital do estado racista do Alabama. 
O Dr. King ainda teve a felicidade de presenciar a assinatura do Civil Reights Act, a Lei dos Diretos Civis, sancionada pelo Presidente Lyndon B. Johnson em agosto de 1964, tornando ilegal e inconstitucional a segregação e a discriminação racial em todos os estados da união norte-americana. 

a) Lincoln e a abolição 

Eu, em casa, não tive proteção, nem descanso fora dela. Eu fui um excluído da sociedade na minha infância e um exilado na terra onde nasci. Eu sou um estranho lá e um errante como foram os meus pais. 
Frederick Douglas (ex-escravo e líder negro abolicionista) - Life and Times of Frederick Douglass, 1845 

Alexis de Tocqueville o historiador liberal observou, em sua visita aos Estados Unidos em 1831, que o grande problema futuro da América era o negro. Sentiu que o país inteiro se dividia sobre a questão da escravidão. No Sul achavam-na natural, uma “peculiar instituição” como os escravagistas a chamavam. No Norte, crescia a opinião de que ela era abominável e moralmente insustentável num país cristão. Durante quase um século, Norte e Sul contemporizaram a seu respeito. A divergência aumentou conforme as terras do Oeste passaram a ser ocupadas. Para os nortistas, defensores do Movimento Free Soil, “Terra Livre”, deveria-se liberá-las, as novas terras, apenas para os homens livres a fim de colonizá-las. Aos sulistas isso soava como um impedimento à expansão dos seus interesses, todos eles ligados a perpetuação e expansão da escravidão. Em suma, os Estados Unidos, como disse o Presidente Abraão Lincoln num célebre discurso: “era uma casa dividida, meio livre meio escrava”. 
A Guerra de Secessão de 1861-65 foi travada para superar o trágico e doloroso impasse em que a nação se encontrava. Descontentes com a eleição de Abraão Lincol, um candidato abolicionista, os estados do Sul determinaram formar uma Confederação e separar-se da União. 
Alexis de Tocqueville observou, trinta anos antes da guerra civil, que na verdade o maior interesse pela abolição partia dos próprios brancos que viam naquela instituição um empecilho à conquista do país. Se (a escravidão), escreveu ele, era “cruel para o escravo era funesta para o senhor”. O que foi reiterado por Lincoln, em 1862, quando se dirigiu ao Congresso pleiteando pela liberdade dos negros dizendo que aquilo “asseguraria a liberdade aos livres”. 

Presidente Abraham Lincoln 
Crédito: Wikimedia Commons 

Em 1º de janeiro de 1863, o Presidente Lincoln anunciou a Proclamação da Emancipação assegurando a liberdade dos escravos que viviam em estados rebeldes. (Num encontro reservado com lideranças negras, Lincoln propôs aos libertados que retornassem à África, porque não acreditava que algum dia os brancos aceitassem a igualdade racial. Prevendo muito sofrimento de parte dos ex-escravos prometeu auxiliá-los na viagem de volta. Os lideres não aceitaram. Desde 1619 vivendo na América, nem saberiam onde desembarcar na África. Eles eram americanos, nada mais tinham a haver com o continente negro). 
Lincoln, no mais conhecido dos seus discursos - The Gettysburg Adress (leia a seguir) - de 19 de novembro de 1863, colocou o que estava em jogo. Não se tratava de que os nortistas deviam ou não lutar pela manutenção da União ou se os sulistas tinham direito constitucional de formar uma confederação. A questão era outra. Era possível existir um governo baseado na igualdade de todos os cidadãos? Sobreviveria a democracia? 
Pela 13ª Emenda, aprovada em dezembro de 1865, a servidão foi varrida do país. Em 1875, dez anos depois da sua morte - Lincoln foi assassinado por um sulista - aprovou-se uma Declaração de Direitos que impedia a discriminação. Esta conquista deu-se em parte pelo próprio engajamento dos negros na guerra. Por pressão de Frederick Douglass, um ex-escravo, notável militante abolicionista e primeiro assessor negro da presidência americana, Lincoln concordou em convocá-los. Começando pelo 54º de Voluntários de Massachusettes, 166 regimentos negros formaram-se ao longo do conflito, alistando 178.975 homens, dos quais 68 mil morreram. Depois da grande matança tudo indicava que o ex-escravo seria gradualmente assimilado à sociedade norte-americana, tornando-se um cidadão como os demais. 

b) O Discurso de Gettysburg, 19 de novembro de 1863 

O mais famoso discurso de Abraham Lincoln 

A oitenta e sete anos nossos antepassados implantaram sobre este continente uma nova nação, concebida em liberdade, e dedicada à idéia de que todos os homens são iguais. Presentemente estamos envolvidos numa grande guerra civil testando assim o poder de resistência dessa nação, ou de qualquer outra concebida sobre aquele princípio. Encontramo-nos agora num grande campo de batalha dessa guerra. Viemos até aqui para dedicar uma porção de tal campo como um lugar de repouso eterno para aqueles que aqui deram suas vidas a fim de que a nação pudesse viver. E é conveniente e apropriado que nós prestemos juntos essa homenagem. 
Mas, num sentido mais amplo, nós não podemos dedicar-lhes, não podemos consagrar - nem santificar - este sítio. Os homens bravos, vivos ou mortos, que lutaram aqui, já o consagraram, muito mais do que o nosso poder de acrescentar algo ou diminui-lo. O mundo deverá registrar bem pouco, e nem de longe recordar o que dissemos aqui, mas ele nunca poderá esquecer o que aqueles homens fizeram (*). É para nós os que continuam vivos, que temos diante de nós uma obra inacabada pela qual eles se bateram e tão nobremente adiantaram que melhor caberia tal dedicatória. Sim, é para nós que estamos aqui dedicados a grande tarefa que se nos defronta - que isso se endereça mais do que a esses mortos honrados dos quais retiraremos a devoção ampliada àquela causa pela qual eles esgotaram a última reserva de dedicação - tarefa essa que aqui devemos assumir para que esses mortos não tenham morrido em vão, e para que essa nação, sob a autoridade de Deus, deva renascer em liberdade, e a fim de que o governo do povo, pelo povo e para o povo não pereça na terra. 

(*) a previsão de Lincoln não se confirmou. Hoje bem poucos sabem o que foi ou o que representou a batalha de Gettysburg, mas suas palavras se encontram na maior parte dos livros de história do nosso século. 

Fonte: Richard B. Morris - Documentos básicos da História dos Estados Unidos, Ed. Fundo de Cultura, RJ., 1964. 

c) A reconstrução e a segregação 

Violaram, para com o negro, todos os direitos de humanidade, e depois lhe ensinaram a inviolabilidade dos direitos. 
Alexis de Tocqueville - A democracia na América, 1835 

O chamado período da Reconstrução, the Radical Reconstruction, de 1865-1877, tentou aplicar medidas que integrassem os antigos servos na sociedade sulistas. O Sul reagiu. Em 1865 mesmo, grupos clandestinos de brancos, criaram as sociedades secretas terroristas dos Cavaleiros da Camélia Branca e a da Ku Klux Klan, a mais conhecida e duradoura, voltadas para atemorizarem os freeman, os libertados, e impedir a igualdade. Também proliferam no Sul os códigos negros, blacks codes, leis estaduais que retiram dos ex-escravos, ao lhes vedarem a propriedade das terras, qualquer possibilidade de tornarem-se cidadãos. A última esperança dos negros de contarem com o apoio da União se esvaiu quando se deu o Acordo Hayes (Hayes agreemennt). 

Membros da infame Ku Klux Klan 

Em 26 de fevereiro de 1877, o candidato a presidente, o nortista Rutherford Hayes teve que, por razões eleitorais, pedir sustentação aos antigos donos do Sul para confirmar-se no poder. Em troca comprometeu-se a retirar as tropas federais do Sul e a não intervir em seus assuntos internos. Foi o sinal para a grande contra-ofensiva racista. Estado por estado multiplicaram-se as leis discriminatórias. Em 1883 a Suprema Corte lhes fez um favor ainda maior. Assegurou que nada podia fazer quando a discriminação era feita por particulares, tornando os Direitos Civis de 1875 em letra morta. 
Há pouco menos de vinte anos após a Guerra Civil, a maioria dos negros apenas transitara da situação da escravidão para a de párias. O projeto de Thaddeus Stevens, o arquiteto do programa Radical de Reconstrução, que visava desmantelar os latifúndios sulistas e dividi-lo em lotes de “40 acres de terra e uma mula”, nunca foi implementado. Sem terras e sem salários, num Sul empobrecido pela derrota na guerra, os ex-escravos voltaram a cair na dependência dos seus antigos senhores. Grande parte deles tornou-se meeiro nas lavouras onde antes eram escravos. Podiam pelo menos casar e constituir famílias, bem como formarem congregações religiosas separadas. As igrejas protestantes do Sul, particularmente as batistas, tornaram-se, nos longos e difíceis anos que se seguiram, os centros da comunidade negra e seu oásis espiritual. Por isso foram os alvos preferencias do terrorismo da Ku Klux Klan que as incendiavam em ataques noturnos. 
Além das dificuldades econômicas decorrentes de uma região recém-saída da guerra, a mais violenta da história do Novo Mundo, os negros tiveram outros impedimentos. Alexis de Tocqueville já observara que eles eram tratados com certa benignidade e até compaixão quando eram escravos, mas “o preconceito que repele os negros parece crescer à proporção que os negros deixam de ser escravos, e a desigualdade grava-se nos costumes à medida que se apagam das leis”. Se eles escapavam dos grilhões da escravidão caiam presos nas algemas do preconceito. Os brancos, mesmo no Norte, nunca os consideraram iguais. 

A queima das cruzes pela KKK 

Esta situação agravou-se com a ascensão no mundo de então com as teses da superioridade racial do homem branco afirmadas pela ciência. A partir das teorias darwinistas - sua difusão deu-se nas décadas de 1860-70 - com a vulgarização dos conceitos da “seleção das espécies” e da “vitória do mais apto”, discriminou-se os negros por alegações cientificas. Eles não haviam sido escravizados por uma maldição bíblica, por serem os amaldiçoados filhos de Cam, como diziam os teólogos escravistas, mas porque eram biológicamente inferiores. Logo, qualquer tentativa de equipará-los aos brancos era um atentado anti-científico, uma profanação à vontade de Deus. Assim explica-se que quando o presidente Hayes os abandonou nas mãos dos oligarcas e da ralé pobre sulista, os protestos dos nortistas foram frouxos. Proliferaram então as Leis Jim Crow (*) pelas quais criaram-se impedimentos artificiais aos negros para que eles não votarem nos estados do Sul. 

(*) Jim Crow foi um desses apelidos pejorativos, difundido por uma canção cômica de 1832, aplicados a qualquer negro nos Estados Unidos de então. Um equivalente ao nosso Zé Ninguém. Sua tradução mais aproximada seria as Leis do Zé Ninguém! Em alguns estados os negros eram submetidos a um exame sobre a constituição, em outros exigiam que seus antepassados já tivessem votado uma vez, o que era impossível por eles terem sido escravos. 

Jim Crow 

Estimulado pelo ódio ao negro e o receio dele como homem livre, um imenso muro - o Muro da Segregação - começou a ser construído pelo racismo. Tijolo a tijolo, lei a lei, o muro cresceu. Até nos abrigos de surdos-mudos e cegos, brancos e negros foram separados. Na Carolina, eles não podiam “olhar juntos da mesma janela”. Em Atlanta, na Geórgia, existiam bíblias para negros e outras para os brancos quando eles fossem convocados para testemunhar num tribunal. 
Assim os três pilares constitucionais - as 14ª e 15º Emendas e a Declaração dos Direitos de 1875 - que garantiam os seus direitos foram invalidados pelos governantes racistas dos estados do Sul. 
Mas a mais terrível marca desse período foi o linchamento. Para impedir que os negros sequer ousassem reclamar dos seus direitos, eles foram submetidos pelos brancos a uma coação brutal, a um estado de sitio permanente, a ameaça de serem trucidados. O linchamento tornou-se uma espécie de “tribunal popular” da ralé sulista, que julgava, condenava e massacrava a vítima. Por qualquer motivo, tanto em cidades grandes como em remotos lugarejos, eles eram perseguidos por bandos de brancos sanguinários e mortos pelas mais pavoRosas formas; do enforcamento à fogueira, não sem antes supliciaram-nos a socos e pauladas. Ora a justificativa era de que um deles não “tivera respeito” para com um caipira branco ou de que “lançara olhares lúbricos para uma branca”, crime considerado hediondo pelos racistas. 
Preservar a pureza delas - a White Womanhood - de um possível “contagio” era uma obsessão dos racistas. Esta fobia é que explica que, a partir de 1910, mais de 30 estados americanos proibissem o casamento interracial. Desvairo que só irá se repetir na Alemanha nazista durante os anos trinta e na África do Sul durante a apartheid. 

White Womanhood Suffragettes, New York Times, 1921 

A segregação finalmente foi legitimada por outra decisão da Suprema Corte. Em 1896, no caso Plessy x Ferguson, os juizes aceitaram que apartar-se as raças era legal desde que respeitassem o principio “separate but equal”, separados, mas iguais. As estradas de ferro dali por diante podiam abrir vagões só para brancos e outros só para os negros, “desde que fossem iguais”, sem que isto ofendesse a constituição. Em pouco tempo, como num jorro, os avisos e placas “only for white”, ou “only for blacks”, ou simplesmente “white” e “colored”, espalharam-se pelos restaurantes, hotéis, lanchonetes, teatros e demais lugares públicos, inclusive bebedouros. 

d) O compromisso de Atlanta 

Não é razoável para qualquer comunidade esperar que ela permita que o negro seja linchado ou queimado no inverno, e então recorra ao trabalho do negro na colheita do algodão no verão. 
Booker T. Washignton, 1895 

1895 foi um ano simbólico. No momento em que morria a mais expressiva liderança negra, o orador Frederick Douglass, o principal responsável pelo resgate da dignidade negra no século 19, um outro líder propunha um pacto de submissão ao branco. Naquele mesmo ano, em setembro, na exposição estadual do algodão em Atlanta, capital da Geórgia, Booker T. Washington, um emérito educador do Alabama, conclamou a que os negros abdicassem de lutar pela igualdade social e pelo acesso a uma educação superior. Que se conformassem em serem lavradores e artesãos, em trilhar uma “educação industriosa”. As ideias de igualdade para ele não passavam the extremest folly, de loucura! 

Frederick Douglass 

Em troca desta renúncia, pediu Booker aos brancos que contratassem os negros. Que os empregadores “cast down your bucker”, lançassem seus baldes no estuário onde se encontravam, dispostos ao trabalho, oito milhões de negros americanos... ”o mais paciente, fiel, obediente a lei, e submisso povo que o mundo já viu...” De nada adiantou. Se os brancos se encantaram com a oratória de capitulação de Booker T. Washigton - no chamado de o Compromisso de Atlanta - isto não lhes mudou os sentimentos. Ao contrário. A filosofia de submissão de Booker estimulou os racistas a cometerem atrocidades ainda maiores, enquanto os esperados benefícios econômicos daquela postura se frustraram. 
Vivendo na América, Claude McKay um poeta jamaicano horrorizado pela seqüência de linchamentos durante o chamado Red Summer, o Verão Vermelho de 1919, deixou-nos sua indignação nos versos: 

Se devemos morrer que não seja igual aos porcos, 
caçados e encurralados em lugares sórdidos, 
onde nos ronda o latido de cães loucos e famintos, 
caçoando do nossa maldita sorte 
Se nós temos que morrer 
que nos deixem ter uma morte digna 

e) Mais adiante de Lincoln 

...a semente do dragão da escravidão, abolida há cem anos atrás, continuará germinando no solo sulista se nós não a arrancarmos com mão forte. 
John F. Kennedy, 1963 

As táticas das lideranças negras mudaram. Não era mais uma elite de advogados educados que buscava a igualdade sensibilizando os juizes. Formou-se nos anos 60 um movimento de massas. Jovens negros não suportavam mais a passividade dos seus pais e ancestrais. Milhares deles participaram dos sit-ins, - o primeiro ocorreu em Greensboro, na Carolina do Norte, em 1º de fevereiro de 1960 - protestos não-violentos em lancherias, restaurantes e outros lugares públicos, onde reclamaram serem atendidos como qualquer outro cidadão americano. 
A eles se somaram os Freedom Riders, os Cavaleiros da Liberdade, jovens negros e brancos, intelectuais, artistas e religiosos, que partiam do Norte em caravanas em direção ao Sul, para pressionar as autoridades locais a pôr fim na segregação. O Sul reagiu com violência. Governadores, prefeitos e xerifes empregaram o aparato policial contra os militantes dos direitos civis (*). 
(*) A oposição ao movimento do dr. Martin Luther King não partia apenas dos racistas. Jovens extremistas do Black Power, o poder negro, consideravam-no muito moderado, enquanto os Black Muslims, os muçulmanos negros, que pregavam uma total separação de raças, acreditavam-no um conciliador para com os brancos. 

Para chamar a atenção do pais para o que ocorria lá, o Dr. King apelou para que seu povo e os simpatizantes brancos marchassem juntos à Washington D.C. para uma grande manifestação a favor da imediata aprovação pelo Congresso de uma nova lei dos Direitos Civis. O Presidente John Kennedy, empossado em janeiro de 1961, tentara fazê-la passar, mas a coalizão entre os racistas do Sul e os conservadores do Norte o impediu. 
No dia 23 de agosto de 1963, uma multidão calculada em 250 mil pessoas juntou-se em frente ao Memorial de Lincoln na capital do país. Ali, à sombra da estátua do libertador dos escravos, o dr. King falou ao entardecer. Compôs, de improviso, uma das mais extraordinárias orações da língua inglesa. Um salmo político que se tornou um libelo universal a favor da igualdade racial e da liberdade. 

f) Eu tenho um sonho! 

Eu tenho um sonho no qual um dia esta nação se erguerá e viverá o verdadeiro principio do seu credo: Nós acreditamos que esta verdade é auto-evidente, de que todos os homens são criados iguais. 
Eu tenho um sonho de algum dia nas colinas vermelhas da Geórgica os filhos dos escravos e os filhos dos senhores de escravos se sentarão juntos na mesa da fraternidade. Esta é a nossa esperança. É com esta fé que eu retorno ao Sul. 
Com esta fé nos estaremos prontos a trabalhar juntos, a rezar juntos, a lutar juntos, a irmos para a cadeia juntos, a nos erguermos juntos pela liberdade, sabendo que seremos livres algum dia. 
Este será o dia quando os filhos de Deus estarão prontos a cantar com um novo significado: Meus país...doce terra da liberdade, para ti eu canto. Terra onde meus pais morreram, terra do orgulho dos Peregrinos, de qualquer lado da montanha, deixe tocar o sino da liberdade. 
E se a América será uma grande nação um dia isto também será verdadeiro. 
Assim deixe tocar o sino da liberdade! 


I Have a Dream - Martin Luther King 


Quando nos deixarmos o sino da liberdade tocar, quando o deixarmos tocar em qualquer vilarejo ou aldeola, de qualquer estado, de qualquer cidade, nós estaremos prontos para nos erguer neste dia, quando todos os filhos de Deus, brancos ou negros, judeus ou gentios, protestantes ou católicos, estaremos prontos para nos dar as mãos e cantar as palavras de um velho spiritual negro: 

Por fim livres! Por fim livres! Graças senhor Todo-Poderoso, estamos livres enfim. 
Martin Luther King, 23 de agosto de 1963 (Lincoln Memorial, Washington D.C.) 

g) Conclusões 

A verdade nos fará livres 
verdade nos fará livres 
a verdade nos fará livre um dia 
Oh, eu creio do fundo do coração? 
que nós vencermos um dia.. 
We shall overcom, tida como a Marselhesa negra 

Da mesma forma que o assassinato do Presidente Abraham Lincoln, em 15 de abril de 1865, acelerou a aprovação da emenda redentora, a dramática morte a tiros do Presidente John F. Kennedy, em 22 novembro de 1963, em Dallas, Texas, tornou impossível a rejeição da nova Lei dos Direitos Civis. Foi seu sucessor, o Presidente Lyndon B. Johnson, um sulista, quem a sancionou em 2 de julho de 1964, sete meses após da tragédia de Dallas. 
Nos seus principais artigos ela determinou que fossem removidos quaisquer impedimentos erguidos contra minorias em seus direitos de votar. Baniu a segregação nos lugares públicos e dessegregou as escolas públicas, os sindicatos e os locais de emprego, bem como impedindo qualquer discriminação no acesso aos recursos dos fundos da assistência federal. 
Abriu-se o caminho para um grande projeto de integração racial. O próprio Presidente Johnson lançou as bases da chamada Grande Sociedade (The Great Society), que pretendia abolir com a pobreza no país. Parte do plano foi levado em frente, ainda que prejudicado pelo enorme desgaste do envolvimento do seu governo na Guerra do Vietnã. As verbas para a educação e assistência aumentaram e, mais tarde, tiveram seguimento com a ação afirmativa (affirmative-action) que procurou atender os desejos de educação superior e emprego por parte dos jovens negros. 
Martin Luther King Jr. sabia que era um homem marcado para morrer. Os racistas jamais iriam perdoá-lo. Mas ainda teve cinco anos pela frente onde saboreou vitórias parciais do “Nonviolence”. Foi assassinado, por um atirador solitário, em 4 de abril de 1968 em Memphys, no estado racista do Mississippi. 
Sua morte contribuiu para que a sociedade americana tomasse em suas mãos a decisão de enfrentar com mais rigor e medidas práticas a tragédia do racismo. Manter os negros segregados revelou-se não só uma desumanidade, mas um fator permanente de insegurança - a seqüência dos motins raciais na década dos anos 60 foi devastadora - e de desgaste da imagem do país - símbolo da democracia - perante o mundo. Provocada a América reagiu. 
Hoje ostenta uma podeRosa classe média negra auto-confiante que não mais aceita que se divulgue pela mídia em geral e pelo cinema, imagens pejorativas dos negros. Se graves problemas de marginalidade e violência ainda cercam boa parte da população afro-americana, é visível a emergência de bolsões de prosperidade. Ainda que o racismo sobreviva é fator significativo que a maioria da opinião publica norte-americana o encare como uma perversão cultural a ser superada. O muro da segregação, tal como o muro ideológico que até a pouco separava Ocidente do Oriente, começou, pedra por pedra, a ser desmontado. 

7. Movimento dos Direitos Civis dos negros nos Estados Unidos 

O movimento dos direitos civis dos negros nos Estados Unidos foi a campanha por direitos civis e igualdade para a comunidade afro-americana nos Estados Unidos. Os negros foram escravizados nos EUA de 1619, trazidos da África por colonos ingleses, até 1863, com o fim da Guerra Civil, a Proclamação de Emancipação e o início da Reconstrução Americana. A escravidão foi a base da economia dos estados do Sul, e marcou profundamente as relações sociais nessa região. 
Todavia, a situação legal dos negros permaneceu por longo tempo inferior à dos demais cidadãos, com as leis Jim Crow, a segregação racial, a doutrina "separados, mas iguais" e a atuação da Ku Klux Klan. Embora a Constituição americana garantisse direitos fundamentais a todos os cidadãos desde 1787, os negros tinham prerrogativas legais negadas por legislações estaduais, com base no princípio dos direitos dos estados. 
A doutrina da incorporação, a partir de 1873, levou à gradual extensão dos direitos constitucionais fundamentais para todos os cidadãos. Na virada do século, ativistas como W. E. B. Du Bois criaram a Associação Nacional para o Progresso de Pessoas de Cor, em defesa da igualdade racial e do progresso da comunidade negra. A decisão do caso Brown v. Board of Education na Suprema Corte americana, em 1954, foi o fundamento legal para o fim da segregação racial. Rosa Parks liderou, no ano seguinte, o boicote aos ônibus de Montgomery. 
Na década de 1960, Malcolm X, com um discurso mais virulento, e Martin Luther King Jr., um pacifista, proclamaram o fim da discriminação institucional. A marcha sobre Washington e a concessão do Prêmio Nobel da Paz a King em 1964 trouxeram atenção mundial para a causa afro-americana. A Lei de Direitos Civis de 1964 e a Lei dos Direitos ao Voto de 1965, ambas promovidas pelo presidente Lyndon B. Johnson, do Partido Democrata, codificaram as conquistas dos negros. Elas asseguraram o fim da segregação racial em espaços públicos, ainda que sejam propriedade privada, e o voto universal, independentemente de nível educacional ou condição social. 

a) Causas 

a.1. Discriminação Racial 

A discriminação étnica e o racismo são características marcantes da sociedade estado-unidense desde os tempos coloniais. As principais questões que se discutem sobre a era colonial são as diferenças políticas e econômicas entre as colônias do Norte e as do Sul, enquanto as primeiras se basearam no sistema de colonização de povoamento ou de ocupação, as últimas foram comandadas sob o de colonização de exploração. O sistema de colonização exploratório das colônias sulinas, com economia centrada no plantation, difundiu-se através de um clima favorável ao seu desenvolvimento: verões extremamente quentes com chuvas regulares. Esse tipo de agricultura propiciou o surgimento de uma oligarquia forte, com estreitos laços comerciais e políticos com o exterior, impulsionando a hierarquização da sociedade e, por isso, o tráfico de escravos passou a ser um dos principais métodos de obtenção de mão-de-obra nas colônias sulinas a partir do início do século XVIII. Durante esse mesmo século, a população norte-americana sofreu um forte aumento populacional advindo do tráfico negreiro para o cultivo de algodão, milho e tabaco. O modelo de economia agrário do sul fez com que este se tornasse uma sociedade essencialmente arraigada ao campo, trazendo consequências diretas para o seu desenvolvimento econômico e social. A industrialização aconteceu de forma tardia na região (em comparação com o Norte), devido à não acumulação de capital imobiliário, pois a classe detentora do poder não "arriscou" a troca de seus escravos para as áreas industriais, temendo um ganho extremamente inferior ao da agricultura de exportação, bem como adiou a própria abolição da escravatura. 
As diferenças entre o norte e o sul dos Estados Unidos marcaram a Guerra Civil Americana. A guerra surgiu quando os estados sulistas se uniram e declararam sua separação do resto do país, criando os Estados Confederados da América. Do outro lado, estava a União, representada pelos estados que eram contrários ao sistema escravista. A União venceu a guerra, deixando milhares de mortos do lado perdedor e fazendo a economia deste estagnar. Famílias de aristocratas perderam suas fortunas, muitas cidades entraram em declínio e a pobreza aumentou. Este cenário fez com que o período da escravidão fosse lembrado de forma positiva por grande parte da população local, resultando no surgimento de organizações de supremacia branca. A mais famosa dessas organizações, a Ku Klux Klan, foi responsável por realizar atos de ódio contra os negros, centenas de pessoas foram perseguidas, linchadas, espancadas e mortas pelo grupo. Além da atuação de grupos de supremacistas, também se destacaram atos de linchamento promovidos pela população contra pessoas afro-americanas, muitos não chegaram a ser julgados nos sistemas de justiças dos municípios onde ocorriam e foram anunciados em jornais. 

a.2. Leis Jim Crow 

As Leis Jim Crow foram um conjunto de leis estaduais promulgadas nos estados do Sul que institucionalizavam a segregação racial em seus territórios. Após a Guerra de Secessão, o então presidente dos Estados Unidos Abraham Lincoln assinou a Proclamação de Emancipação, lei que aboliu a escravidão no país. Porém, essa lei não realizou mudanças significativas na situação social dos negros da região sul, fazendo com que muitos deles vivessem em situação de pobreza e voltassem a trabalhar para seus antigos senhores. Segundo Alexis de Tocqueville, os negros antes da abolição eram tratados com uma certa benignidade e até compaixão, ele também chegou a dizer que “o preconceito que repele os negros parece crescer à proporção que os negros deixam de ser escravos, e a desigualdade grava-se nos costumes à medida que se apagam das leis”. 
A expressão "Jim Crow" era utilizada de forma pejorativa para se referir a qualquer negro nos Estados Unidos de então. Entre as questões em que essas leis impunham restrições à população afro-americana se destacaram: o direito de votar, que era restrito, e o casamento inter-racial, que chegou a ser proibido. Além disso, as leis determinavam a criação de instalações separadas para brancos e negros em estabelecimentos comerciais e até nas escolas e transporte públicos. As leis Jim Crow perderam validade legal após as Lei de Direitos Civis de 1964. 

a.3. Doutrina "Separados, mas iguais" e caso Plessy v. Ferguson 

Uma vitrine de um restaurante em Lancaster, Ohio 
que diz "Nós atendemos apenas brancos". 

"Separados, mas iguais" foi uma doutrina jurídica da lei constitucional que justificava e permitia a segregação racial nos Estados Unidos como não sendo uma violação da décima-quarta emenda da constituição, que garantia proteção e direitos civis iguais a todos os cidadãos. Sob esta doutrina, o governo podia permitir que setores públicos ou privados como os de serviços, moradia, educação e transporte pudessem ser separados baseados em raça, desde que a qualidade de cada um destes serviços fosse igual. Essa doutrina foi utilizada como argumento jurídico pela constitucionalidade das Leis Jim Crown. Esta doutrina foi confirmada na decisão Plessy v. Ferguson de 1896 pela Suprema Corte dos Estados Unidos, que legalizou a segregação racial no nível estadual. 

https://mwmblog.com/2020/02/13/revisiting-the-separate-but-equal-doctorine/ 

A corte decidiu, por 7 votos a 1 (com a abstenção de David Josiah Brewer), declarar que a segregação nos estados do Sul não violava a constituição. O juiz Henry Billings Brown, ao falar pela maioria que aprovou a decisão, afirmou que a segregação não implicava em inferioridade, aos olhos da lei, dos afro-americanos e que a separação por raça em locais e serviços públicos era uma mera questão política. 


A voz dissidente dentro da Corte, o juiz John Marshall Harlan, disse que a lei dos Estados Unidos não afirmava que o país tinha um sistema de castas, que a constituição não via a cor da pele de seus cidadãos e que todos eram iguais perante a lei. A doutrina “separados, mas iguais” perdeu seu valor jurídico com a decisão da Suprema Corte no caso Brown v. Board of Education em 1954. 

b) Principais lideranças 

b.1. Martin Luther King Jr. 

Martin Luther King Jr. é considerado um dos mais importantes líderes de movimentos que conclamavam pela ampliação dos direitos civis aos negros estadunidenses nas décadas de 1950 e 1960. King era um pastor protestante pacifista e adepto das ideias de desobediência civil preconizadas por Mahatma Gandhi. De acordo com Gilberto Carvalho de Oliveira, professor de relações internacionais da UFRJ, "King considera que a resistência não violenta e a desobediência civil não devem ser usadas como uma via para humilhar ou derrotar o oponente, mas sim como uma forma de ganhar a sua amizade e a sua compreensão". 


Durante a Marcha sobre Washington, Martin Luther King realizou o seu discurso mais famoso, conhecido como "Eu Tenho um Sonho" em que defendeu uma sociedade onde todos seriam iguais sem distinção de raça e que negros e brancos poderiam conviver em harmonia. 
Participou ativamente de diversos protestos e manifestações, entre eles se encontram: o Boicote aos ônibus de Montgomery (1955-1956), Marchas de Selma a Montgomery (1965) e a Campanha das Pessoas Pobres (1968). Ademais, King é visto como um forte opositor da Guerra do Vietnã. Em 1957, fundou e presidiu a Conferência da Liderança Cristã do Sul (SCLC). Em 1964 recebeu o Prêmio Nobel da Paz. Martin Luther King Jr. foi assassinado, em Memphis, no dia 4 de abril de 1968; James Earl Ray foi condenado pelo crime um ano depois. 

b.2. Bayard Rustin 

Bayard Rustin foi um dos líderes do movimento dos direitos civis. Ele atuou como um mentor para Martin Luther King, Jr. na questão da resistência civil não violenta e foi um dos organizadores da Marcha sobre Washington. Rustin era abertamente gay e, na parte final da sua carreira, defendeu causas homossexuais. 

Bayard Rustin 

Pouco antes da sua morte, em 1987, Rustin disse: "O barômetro da nossa posição sobre a questão dos direitos humanos já não reside na comunidade negra, mas na comunidade gay. Porque é esta comunidade que é mais facilmente maltratada." 

b.3. Malcolm X 

Malcolm X foi uma importante liderança do movimento dos direitos civis; porém, diferente de líderes como Martin Luther King Jr., ele queria a separação total entre negros e brancos, com a independência econômica e a criação de um Estado autônomo para os afro-americanos. Depois de ser preso por roubo em 1946, Malcolm Little passou a ter contato com os ensinamentos de Elijah Muhammad, líder do grupo Nação do Islã, convertendo-se a essa religião e trocou o nome "Little" por "X", dizendo que "o X significa a rejeição do nome de escravo (Little) e ausência de um nome africano para ocupar o seu lugar". 

Malcolm X 

Diferente de Martin Luther King, Malcolm X defendia que a violência deveria ser utilizada pelos negros como um método de autodefesa e considerava o método da não violência ineficiente, ele também chegou a acusar King de se submeter aos brancos, tentar subjugar os negros e fazer com que eles não se defendessem. Em seu discurso mais famoso, ele criticou a Marcha sobre Washington, dizendo que esta foi um movimento manipulado pelo governo dos Estados Unidos com a ajuda das lideranças que ele chamava pejorativamente de The Big Six. Nesse mesmo discurso, que ficou conhecido como Mensagem a Grass Roots, ele procurou descrever a diferença entre a "revolução preta" e a "revolução do Negro", sendo que a primeira era violenta e a última não-violenta e, por isso, considerada por ele como uma farsa. Em 1964, Malcolm X foi banido da Nação do Islã devido a divergências políticas entre ele e Elijah Muhammad. Poucos meses após fundar o seu próprio grupo, a Organização da Unidade Afro-Americana, Malcom X foi assassinado por três membros da Nação do Islã em 21 de fevereiro de 1965. 

b.4. W. E. B. Du Bois 

William Edward Burghardt Du Bois foi um ativista pioneiro no movimento dos direitos civis e um dos fundadores da Associação Nacional para o Progresso de Pessoas de Cor (NAACP) em 1909. Foi um defensor do Pan-africanismo e, durante a Guerra Fria, passou a considerar o capitalismo como o responsável pela subjugação dos negros, simpatizando com o socialismo e o comunismo. Antes da NAACP, William foi secretário da Conferência Pan-Africana de 1900 e líder do grupo Niagara Movement. 

W.E.B. Du Bois in Philadelphia, 1896, Photo courtesy of the Herndon Foundation 

Foi um opositor de Booker T. Washington e do Compromisso de Atlanta. Além dos negros, defendeu as mulheres, os judeus e os trabalhadores, tornando-se um dos fundadores do movimento pelos direitos civis. Du Bois morreu aos 95 anos, em 1963, em Acra onde passou os últimos de anos de vida. 

b.5. Rosa Parks 

Rosa Parks era uma costureira do estado do Alabama que trabalhava para a seção da NAACP na cidade de Montgomery. No dia 1 de dezembro de 1955, ela estava andando de ônibus, sentada numa fileira reservada às pessoas negras. 

Rosa Parks 

Quando um homem branco entrou, o motorista do veículo disse a todos na fileira na qual ela estava que se movesse para trás para criar uma nova para os brancos. Ao mesmo tempo em que todos os outros negros na fila cumpriram o determinado, Rosa recusou-se e foi presa por desobedecer à ordem do motorista. Parks foi condenada a pagar uma multa de dez dólares, com mais quatro dólares de custos judiciais. Esse acontecimento o que gerou o boicote aos ônibus de Montgomery. Como consequência, Rosa Parks é considerada uma pioneira, e as vezes até como a mãe do Movimento dos Direitos Civis. Morreu de causas naturais em 24 de outubro de 2005. 

b.6. Amelia Boynton Robinson 

Amelia Boynton Robinson foi uma das lideranças do movimento dos direitos civis no Alabama e figura chave nas Marchas de Selma a Montgomery em 1965. Atuou como agente do Departamento de Agricultura (USDA) em Selma foi nesse trabalho em que ela conheceu o seu futuro marido, Samuel William Boynton. A maioria dos afro-americanos foi efetivamente excluída da política por décadas e, por isso, passava por dificuldades para fazer o registro para poder votar. 


Em 1963, Samuel Boynton morreu. Em 1964 Boynton concorreu para o Congresso pelo Alabama, esperando encorajar o registro dos negros para a eleição. Ela foi a primeira mulher afro-americana a disputar um cargo eletivo no Alabama e a primeira mulher de qualquer raça a disputar pelo Partido Democrata naquele estado, tendo recebido 10% dos votos. As Marchas de Selma a Montgomery, movimento em conseguiu destaque nacional devido a forma violenta como foi reprimido pela polícia local, resultaram na aprovação da Lei dos Direitos ao Voto em 1965, Amelia foi convidada de honra na Casa Branca no dia da assinatura do documento. Morreu aos 104 anos em 26 de agosto de 2015. 




Até o próximo encontro!



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