domingo, 13 de setembro de 2020

ROCK - Suas Histórias & Suas Magias - Capítulo 9 Parte 2

A História do Rock na Década de 50


4. Rock And Roll: Os Anos 50 – Por Léo Falabela

Em 1945, a partir das alterações que a Segunda Guerra trouxe à cultura norte-americana, surgiram as primeiras casas e estações de rádio especializadas na divulgação da música negra.
Os gêneros Blues e Country, originários de regiões pobres e caracterizados por letras faladas e ritmos espontâneos, o Jazz tocado nas grandes cidades, baseado na improvisação e marcado por bandas maiores e arranjos mais elaborados, com percussão e instrumentos de sopro, e o Gospel, desenvolvido nas igrejas evangélicas que, embora obedecendo as escalas do Blues, caracterizava-se por ter um ritmo frenético e, por vezes, sensual.
Da fusão da música negra (Blues e Gospel) com os ritmos mais dançantes dos brancos (Country e Jazz) surgiu o Rythm and Blues, que fez com que a cultura negra ficasse conhecida pela população branca e consumista. Essa foi a época do surgimento e apogeu de nomes como B.B. King, Muddy Waters, Fats Domino e o grupo vocal The Platers, entre outros tantos.
A partir de então, passou a ser fundamental a prática do cover, ou seja, a adaptação elaborada por cantores brancos de músicas negras, com alterações nas letras, para que pudessem ser aceitas pelo grande público jovem e branco.
A vendagem de discos de 45 rpm cresceu assustadoramente (já que a juventude teve ampliado seu poder aquisitivo no pós-guerra) e o espaço na radiodifusão foi definitivamente conquistado.
A mistura explosiva da empolgante música negra com o consumismo branco adolescente havia sido feita... a explosão era questão de tempo....
Mas quem poderia ser considerado o "Rei do Rock"? É claro que um estilo musical tão complexo e avassalador não poderia ter sua invenção atribuída a apenas uma pessoa ou uma banda.
Há quem diga que o "inventor" foi o compositor, cantor e pianista Little Richard, que, em 1955 incendiou o mundo musical com seu famoso hit "Tutti Frutti". Outros atribuem o surgimento do Rock'n'Roll ao guitarrista branco Bill Haley, que atingiu o 1º lugar da parada americana, no verão de 1954, com a música "Rock Around the Clock". 


Little Richard - Tutti Frutti



Ao guitarrista Chuck Berry é também creditada a "invenção" pois foi ele quem personificou a essência do estilo através dos riffs, solos e a inconfundível batida rítmica transformada em sua marca registrada.


Chuck Berry – Little Queenie 1959



Mas foi um disc-jóquei e radialista de Cleveland, Ohio, Allan Freed, quem usou o termo "Rock and Roll", algo como "deitar e rolar" (uma gíria usada pelos negros americanos quando se referiam ao ato sexual) para denominar o novo estilo musical que surgia criando o programa "Moon Dog Rock and Roll Party" ao mesmo tempo em que promovia festas de dança com o mesmo nome e movidas pelo ritmo que ele havia ajudado a definir e divulgar.
Assim, o termo e o estilo de música "Rock and Roll" se popularizou, e virou uma febre mundial.
E, a partir de então, o universo da música nunca mais seria o mesmo!


5. O Início do Rock

Apesar de no decorrer de sua história o Rock and Roll ter ficado mais marcado por astros brancos, deve-se aos negros, escravos trazidos da África para as plantações de algodão dos Estados Unidos, a criação da estrutura rítmica e melódica que seria a base do Rock. Os cantos entoados pelos negros durante o trabalho, no início do século XX dariam origem ao Blues. Focado basicamente no vocal, o Blues era geralmente acompanhado apenas por violão.
Enquanto o Blues se desenvolvia nos campos e pequenas cidades, nas grandes cidades por sua vez tocava-se o Jazz, baseado na improvisação e marcado por bandas maiores e arranjos mais elaborados, com percussão e instrumentos de sopro. 
Por um outro lado, nas igrejas evangélicas desenvolvia-se a música gospel negra, que embora obedecendo as escalas de Blues, caracterizavam-se por rítmo frenético ou mesmo sensual, canções de redenção e esperança para um povo oprimido. A música era acompanhada por piano ou órgão.
As guerras mundiais serviram, entre outras coisas, para acelerar vertiginosamente a produção industrial nos Estados Unidos. Os negros do Sul, descendentes de antigos escravos da lavoura, que vinham cultivando sua música de raízes africanas, acabaram por se constituir na grande massa de operários das indústrias do Norte e do Oeste, formando guetos por todo o território americano. Nessa condição, espalhavam seus três tipos básicos de música: Rhythm’n’Blues, gospel e ballad.
Isso forçou o relacionamento entre negros e brancos favorecendo a influência mútua entre a música negra (Blues e seus derivados) e a música branca (principalmente Country e Jazz). 
Da fusão do Blues original com os ritmos mais dançantes dos brancos surgiu o rhythm and Blues, que levou a música negra ao conhecimento da população consumista. 
No início da década de 50, com o final da Segunda Guerra Mundial e da Guerra da Coréia, os Estados Unidos despontavam como grande potência mundial. Mais do que em qualquer outro momento da história era incentivado o gozo da vida, marcada que estava a sociedade pelos anos de sofrimento da guerra. A população de maneira geral e inclusive as minorias pela primeira vez tinha dinheiro para gastar com supérfluos como música. Com o anúncio da explosão de bombas atômicas pela União Soviética e um possível "fim do mundo" a qualquer momento, a ordem geral era aproveitar cada momento como se fosse o último.
Numa época de mudanças surgia uma corrente intelectual inédita contrária à antiga política, rebeldia esta refletida na literatura, como no livro O Apanhador no Campo de Centeio, de J. D. Salinger, mas mais notadamente no cinema com a glorificação da antítese dos antigos valores em filmes como O Selvagem (em que Marlon Brando interpreta um delinquente).

O apanhador no campo de centeio – J.D. Salinger

Em pleno crescimento econômico capitalista o consumo era considerado fator primordial para geração de empregos e divisas, bem como o melhor antídoto contra o comunismo, e a busca por novos mercados consumidores era incessante. Obviamente a parcela mais jovem da população rapidamente se mostrou mais facilmente influenciável e ao público adolescente pela primeira vez foi dado o direito de ter produtos destinados ao seu consumo exclusivo, bem como poder de escolha. 

Os jovens na década de 50

Estranhamente, porém, os jovens brancos em grande parte se negavam a consumir a música normalmente consumida pela maioria branca. Começaram a buscar na música dos guetos algo diferente. Com a indústria fonográfica de grande porte não preparada para suprir o público consumidor com este tipo de música ganharam importância selos pequenos de música negra. 
A aceitação deste tipo de música pelo público de maior poder aquisitivo levou a incipiente indústria fonográfica da época a investir na evolução do estilo e procura e contratação de novos talentos, principalmente na procura de um jovem branco que pudesse domar aquele estilo aliando a ele uma imagem que pudesse ser vendida mais facilmente. Tornaram-se comuns os relançamentos de versões de músicas dos negros regravadas por artistas brancos, que terminavam por tirar os verdadeiros criadores do estilo do topo das paradas. 
Uma outra grande revolução de costumes estava em curso. Sexo deixava de ser tabu e passava a ser considerado diversão (tanto para o homem como para as mulheres). As canções de amor por pressão do público comprador passavam a dar lugar a letras mais sacanas, embora muitas vezes fosse necessário criar versões atenuadas de versos mais diretos.
A mistura explosiva da empolgante música negra com o consumismo branco adolescente havia sido feita... a explosão era questão de tempo....
Mas quem teria sido o homem que mereceria ser coroado como responsável pela "criação" do Rock and Roll? Obviamente um estilo musical tão complexo não poderia ter sua invenção atribuída incontestavelmente a apenas um indivíduo ou grupo de indivíduos. Mas se alguém merecesse ter seu nome associado à "criação" do Rock como o conhecemos este alguém não seria Elvis ou Bill Haley ou Chuck Berry ou nenhum outro cantor ou band leader. O "inventor" do termo Rock and Roll e grande responsável pela difusão do estilo foi o disk jokey Allan Freed, radialista de programas de rhythm and Blues de Cleveland, Ohio, que primeiro captou e investiu na carência do público jovem consumista por um novo tipo de música mais energética e primeiro percebeu o potencial comercial da música negra.
O termo Rock and Roll era uma gíria dos negros americanos, referente ao ato sexual, presente inclusive em muitas letras de Blues (a exemplo de My Daddy Rocks Me With a Steady Roll da cantora Trixie Smith, de 1922). Allan Freed foi o responsável por usar o nome sonoro para denominar o novo estilo musical em que estava investindo.


Trixie Smith - My Daddy Rocks Me (With One Steady Roll) 1938



Em 1951 Allan Freed criou o programa Moon Dog Show mais tarde renomeado para Moon Dog Rock and Roll Party ao mesmo tempo em que promovia festas de dança com o mesmo nome, movidas inicialmente a Blues e rhythm & Blues e mais tarde pelo ritmo que havia ajudado a definir e divulgar. Suas festas apesar dos constantes atritos e reclamações por parte das autoridades eram um sucesso. Tumultos lhe valeram dezenas de processos por incitação à violência.


Moondog Alan Freed Full Version



Enquanto a juventude adotava o novo ritmo como sua marca registrada os adultos, principalmente das parcelas mais conservadoras da sociedade, a taxavam como causa de toda delinquência juvenil... apesar do exagero dos protestos, não estavam de todo errados, o gosto pelo Rock era realmente parte do estilo das gangues juvenis.


6. A mulher negra que criou o “Rock And Roll” - Por Patrimonio Cultural

Sister Rosetta Tharpe

Quase que completamente desconhecida hoje, Sister Rosetta tinha um programa gospel na rádio nos anos 30, 40. Reza a lenda que King of Rock N’Roll, Mr. Elvis, quando criança, saía correndo da escola para ouvir o programa e as músicas que ela cantava.
Do Pensador Anônimo

O jeito de ela cantar, e tocar guitarra, acabaram sendo assimilados por outro King, o B.B.
E ainda há o terceiro King, desta vez o do Folk, Bob Dylan, assumidamente fã desta artista extraordinária.
É gratificante relembrar e curtir os antepassados negros que fizeram a história do blues americano, como a pioneira Sister Rosetta Tharpe, a madrinha-avó do Rock And Roll.


Sister Rosetta Tharpe - Didn't It Rain? Live 1964



Sister Rosetta Tharpe foi um amor à primeira vista. Aquela mulher de energia possante a brincar com a guitarra, faz lembrar Chuck Berry. A verdade é que foi esta a mulher que inspirou Chuck Berry. A mulher “bonita, divina sem mencionar sublime e esplêndida”, como Bob Dylan afirmou numa entrevista, é a essência do Rock n’ Roll.
Nascida a 20 de março de 1915, em Cotton Plant, Arkansas. Filha de Willis Atkins e Katie Bell Nublin, apanhadores de algodão. A sua mãe tornou-se pastora evangélica, cantando e tocando para a sua congregação. É através da sua mãe e pela sua mão que a pequena Rosetta Nublin faz a sua primeira atuação aos 4 anos, acompanhada pela guitarra, cantou o conhecido tema gospel “Jesus is on the mainline”. Aos 6 anos de idade, segue a sua mãe, que abandonou o seu pai e migrou para norte.

Steamin’And Dreamin – Sister Rosetta Tharpe

Durante a juventude com a sua mãe, fez digressões em circuitos evangélicos. Influenciada pelo seu meio e pela energia de Chicago, uma cidade que fervilhava a Blues e Jazz, a jovem Rosetta misturava o Gospel com os ritmos seculares, o que, juntamente com o seu engenho com a guitarra, tornaram-na bastante popular. A forma como tocava transpirava Blues e impressionou muitos. Rosetta era também uma das poucas mulheres negras a tocarem guitarra na década de 20 do século passado.


Sister Rosetta Tharpe - This little light of mine 1960



Sister Rosetta Tharpe - This Train



Sister Rosetta Tharpe - Rock Me



Casou-se com Thomas A. Thorpe, um pastor evangélico abusivo e controlador que se aproveitara do talento e da popularidade de Rosetta. Decide divorciar-se, mantendo o nome do ex-marido, mas alterando a grafia para Tharpe, nome pelo qual ficou conhecida. Muda-se para Nova Iorque com a mãe, onde conquistou o sucesso e atuou no prestigiado Cotton Club, ao lado de Cab Calloway, para um público mais mundano. O que gerou polêmica junto do seu fiel público-base.


Faz história, quando, em 1938, se torna na primeira cantora gospel a assinar por uma grande gravadora, a Decca Records. Um contrato controverso, pois impunha que Rosetta cantasse tudo o que o seu manager propunha. Os temas Rock Me e The lonesome Road conquistam as tabelas Pop em outubro do mesmo ano. A irmã Rosetta era uma superestrela. Apesar do mal-estar entre a comunidade gospel causado por músicas como Tall Skinny Papa, ninguém conseguia ficar indiferente ao seu estilo particular.
Durante os anos que se seguiram, somou sucessos. Todos queriam ver e ouvir a prodigiosa irmã, ela percorreu os Estados Unidos da América, encheu salas de espetáculos, é uma das poucas vozes femininas negras a animar os soldados norte-americanos, durante a guerra. 


Sister Rosetta Tharpe - Down By the Riverside



Grava Down by the Riverside e Strange Things Happening Every Day, num período onde a segregação era a norma, denotam que as normas são algo que Rosetta nasceu para quebrar e foi assim que foi a sua vida.


Depois de um segundo casamento fracassado, é ao lado de Marie Knight que grava Up Above My Head, uma música sublime. Pouco se sabe sobre esta parceria que terminou abruptamente, após uma tragédia familiar ocorrida com Marie. Rosetta continua a sua carreira e, em 1951, a todos surpreende, quando é anunciado o seu casamento, o terceiro, com Russel Morrison, oficializado no estádio Griffith, em Washington D.C, perante uma audiência de vinte e cinco mil pessoas. Morrisson, seu marido e agente a acompanha até ao fim dos seus dias.


Sister Rosetta Tharpe - Up Above My Head



É com o aparecimento de jovens vindos do delta do Mississippi que surge o Rock n’ Roll e Elvis é coroado como rei do novo gênero musical. Rosetta, a mulher que vinte anos antes começou a fazer estes ritmos mantem-se fiel a si, mas a sua popularidade e o seu brilho ofuscam-se pelos novos artistas.
Até que um dia recebe uma chamada de Chris Barber, que a convida a embarcar numa nova digressão, desta vez, no Reino Unido. Para um público que nunca tinha visto ao vivo, uma verdadeira artista Gospel como Rosetta aparece como algo do outro mundo. Era diferente, cativante, fervilhava energia e alma. Ela e a guitarra eram apenas uma. A atuação de 1964 em Manchester, gravada num dia frio e chuvoso na estação de comboios, é a prova disso.
A irmã Rosetta estava de regresso e conquista o público europeu. Em 1968, Katie Bell falece e esta perda marcou bastante a cantora. Após este acontecimento e depois de ter sido diagnosticada com diabetes, Rosetta Tharpe atua pela última vez em Copenhague, em 1970. Mais tarde, teve que amputar uma perna e, em 1973, abandona este mundo.
Rosetta Tharpe é uma inspiração para Etta Jones, Johnny Cash, Little Richard, entre outros. O seu legado é enorme, marcou a história da música, marcou gerações e apaixona todos aqueles que a ouvem, isto derivado à alma que possuía, à sua energia e poder.
Em 2004, Down by the Riverside entra para a National Recording Registry, da biblioteca do congresso norte-americano. Em 2007, entra para o Blues Hall of Fame e, em 2008, o governador Edward Rendell declara o dia 11 de janeiro o dia da Sister Rosetta Tharpe, no estado da Pensilvânia. No seu discurso, destacou a lendária cantora, a pioneira que levou o Gospel para a cena mainstream.

Rock And Roll Hall of Fame

A força da natureza como foi apelidada por Bob Dylan continua viva entre todos aqueles que a seguiram e na sua discografia.


Rock And Roll Hall Of Fame Inductee Insights: Sister Rosetta Tharpe



2018 Induction Ceremony Sister Rosetta Tharpe Tribute "That's All"



2018 Induction Ceremony Sister Rosetta Tharpe Tribute "Strange Things Happening Every Day"



7. Antes de Chuck Berry, Elvis e Beatles, tivemos Sister Rosetta Tharpe: conheça a Mãe do Rock’n Roll - Por 11 Minute Read

A primeira vez que ouvi falar em Sister Rosetta Tharpe foi há pouco mais de dois meses. Mais precisamente, no dia 3 de julho de 2019 — data em que o episódio do podcast do Frank Turner sobre ela foi lançado.
Desde então, me tornei obcecado pela sua história, seus inúmeros feitos e, principalmente pelo fato de eu ter demorado tanto tempo a conhecê-la — apesar de ser apaixonado pelo Rock’n Roll.
Na grande maioria dos artigos e materiais sobre música, Sister Rosetta é referenciada como a Madrinha do Rock’n Roll. Porém, como você vai ver, ela não esteve presente apenas no “batismo do Rock”, mas desde seus primórdios — ou parto, se preferir.
Por exemplo, a primeira vez que o termo “Rock’n Roll” apareceu na renomada revista americana Billboard foi justamente para descrever uma performance dela, em maio de 1942:

Revista Billboard, edição de 30 de maio de 1942 — página 25

Então, prefiro considerá-la Mãe, com os padrinhos surgindo depois:

Se você tentar dar outro nome ao Rock’n Roll, você pode chamá-lo de ‘Chuck Berry’.
John Lennon

Ele (Chuck Berry) iluminou nossa adolescência e deu vida aos nossos sonhos de sermos músicos.
Mick Jagger

Uma longa personificação de Sister Rosetta Tharpe, foi como Chuck Berry - o Pai do Rock – descreveu certa vez sua própria carreira.
Quando ele tinha 12 anos, a cantora lançou seu primeiro disco, Rock Me, e o garoto Chuck foi parte de uma geração de crianças que cresceram nas décadas de 40 e 50 acostumadas a ver Sister Rosetta como uma grande estrela da música.
Nessa geração também estava o pequeno Elvis, ainda com 3 anos, que dificilmente se lembra de ouvir o disco no ano do lançamento, mas não deixou de ser influenciado por ela:

Elvis adorava Sister Rosetta. Principalmente seu estilo de tocar guitarra, que era muito diferente.
Gordon Stoker, do Jordanaires, que trabalhou tanto com Sister Rosetta Tharpe, quanto com Elvis Presley.

Sister Rosetta foi uma estrela do Rock muito antes dessa expressão existir, quebrando barreiras com todo o estilo, extravagância e peculiaridades que tinha direito.

a) O início de tudo
Não dá para falar sobre Rock’n Roll citar o Blues — que, por sua vez, se desenvolveu especialmente do canto dos escravos das lavouras de algodão.
Foi também nessas lavouras, em 1915, que Rosetta Nubin nasceu, na cidade de Cotton Plant, Arkansas, às beiras do rio Mississíppi. Seus pais, Katie Bell e Willis Atkins, eram colhedores de algodão.
Não se sabe muito sobre seu pai, que pouco participou de sua vida, além do fato de que ele sabia cantar.
Enquanto sua mãe, foi a pessoa mais presente ao seu lado, até falecer em 1968. Ela era evangelista e incrivelmente apaixonada pela Igreja.


Quando sua filha tinha apenas seis anos, Katie Bell abandonou Willis e levou Rosetta para que se tornassem evangelistas viajantes da Igreja de Deus em Cristo.
Desde então, a música, a religião e a rotina de viajar fazendo shows estiveram presentes na vida de Rosetta. Há relatos de que, quando ela tinha 10 anos, já era uma showoman completa, tocando violão, piano e dominando alguns passos de dança.
Seu sobrenome Tharpe surgiu após o casamento com o Reverendo Tommy Thorpe (e por erros de grafia), em 1934, quando ela tinha ainda 19 anos.
Ambos trabalhavam para a mesma igreja: ela fazia os shows e atraía multidões, enquanto ele pregava do púlpito.
O casamento não durou muito tempo, pois, além de ter sido arranjado pela mãe de Rosetta, o Reverendo claramente se aproveitava dos dons de sua esposa para ganhar dinheiro e se sustentar.
Sister Rosetta não era nada comum
Após 4 anos casados, em 1938, ela deixou seu marido e foi para a cidade de Nova York. Dessa vez, foi Rosetta quem levou junto sua mãe.
Seu reconhecimento na música não demorou: no mesmo ano, lançou o disco “Rock Me” e recebeu a oportunidade de se apresentar no prestigiado Cotton Club — uma casa noturna para clientes brancos e performers negros.


Por força de um contrato de sete anos que assinou, Rosetta se viu obrigada a cantar qualquer música que sua gravadora, Decca Records, escolhesse.
Por isso, temos registros dela cantando algumas músicas que não fazem qualquer menção a Deus, mas apenas sobre “agradar seu homem” - como Tall Skinny Papa, em que ela repete constantemente:

Eu quero um papai alto e magro. É tudo o que eu preciso.

Claro que um papai alto e magro estava longe de ser tudo o que Rosetta queria ou precisava, mas foi um mal necessário para ela trilhar seu caminho para o sucesso e se ambientar ao universo do Show Business.
Com 25 anos, ela estava entre os melhores músicos populares da época e havia se acostumado a tocar com nomes como Lucky Millinder, Cab Calloway, Duke Ellington e outros.


Após cumprir o contrato, Rosetta havia se estabelecido numa indústria dominada por homens, era rica, famosa, amada por uma legião de fãs e, finalmente, poderia cantar o que bem entendesse.
O que mais a primeira superstar gospel da história poderia fazer?

b) Rosetta na estrada, a segregação racial e Marie Knight
Nos anos 40, ela passou boa parte do tempo na estrada e tocando em casas de show lotadas — sempre acompanhada por diferentes quartetos gospel.
Um desses quartetos foram os Jordanaires, que depois ficariam conhecidos como backing vocals de Elvis Presley. Nessa época, eram carinhosamente chamados por Rosetta como “seus quatro pequenos bebês brancos”.

Elvis Presley no Estúdio

Numa sociedade altamente segregada, negros e brancos tocando juntos era tabu. Mas desde seus primeiros acordes arranhados nas portas das igrejas, Rosetta sempre tocou para unir as pessoas e isso persistiu por toda a sua carreira.
Durante a turnê com os Jordanaires, o grupo de apoio era recebido nos melhores restaurantes e hotéis, enquanto a estrela principal tentava a sorte na porta dos fundos. Ou contava com a ajuda de seus “quatro bebês brancos”, que pediam um prato extra para viagem e levavam até ela em seu ônibus.


O vencedor do Oscar, Green Book, fornece um bom panorama de como era a rotina de um negro em turnê durante a segregação.
Com a diferença que a história do filme se passa em 1962, às vésperas da assinatura da Lei de Direitos Civis, que decretou o fim da segregação racial americana em 1964.
Ou seja, os tempos de Rosetta eram outros, mas nem isso foi capaz de fazê-la recuar.
E não satisfeita fazendo turnês apenas com quartetos gospel, em 1946, ela pegou a estrada com Marie Knight, sem nenhum acompanhamento além delas próprias — algo completamente inédito para a época.


Green Book - O Guia | Trailer Oficial Legendado




Há relatos de que elas sozinhas montavam todo o equipamento, depois retornavam aos bastidores para se ajudarem na maquiagem e cabelo, e, então, o show era completo. As duas cantavam e se revezavam no piano, Rosetta assumia a guitarra e Marie, a percussão.
De acordo com a historiadora Gayle Wald, elas não eram apenas companheiras de estrada e shows, mas também amantes — um “segredo aberto”, diz Wald.
E retomo a pergunta: o que mais Sister Rosetta Tharpe poderia fazer?

c) A primeira música de Rock’n Roll da história
Em 1944, a cantora lançou a música Strange Things Happening Everyday, uma forte crítica às hipocrisias religiosas que emplacou o 2º lugar na lista da Billboard de melhores músicas de Rhythm & Blues.
Além desse feito, para muitos historiadores e estudiosos da música, essa foi a primeira música de Rock’n Roll da história.
Não há um consenso sobre um marco zero específico para definir qual hit recebe esse título e, por isso, ele acaba dividido entre Strange Things Happening Everyday e outras três opções:

- Rock the Joint - Jimmy Preston (lançada em 1949)
- Rock Awhile - Goree Carter (1949)
- Rocket 88 - Jackie Brenston (1951)

Se analisarmos pelo ano de lançamento, não há discussão.
E basta um clique no vídeo abaixo para você notar os traços do gênero musical na música e, principalmente, na guitarra de Rosetta.


Sister Rosetta Tharpe - Strange Things Happening Every Day



d) Quando a noiva tocou guitarra
Após vários anos na estrada dedicados a desafiar a segregação racial enquanto fazia shows, em 1950, dois grandes promotores da música gospel da época fizeram uma proposta bem inusitada para Sister Rosetta Tharpe:
Combinar uma cerimônia de casamento com um show, e fazer tudo isso no Griffith Stadium, em Washington.



Ela topou de prontidão e faltava apenas um detalhe necessário para a cerimônia: um noivo. Algumas semanas antes do grande dia, Rosetta encontrou Russel Morrisson e resolveu o problema.
O casamento aconteceu em 1951 com tudo o que se tem direito, incluindo a Marcha Nupcial.
O Reverendo Kelsey se dirigiu aos 20 mil pagantes que lotavam o estádio para saber se havia alguma objeção. “Você tem uma aliança, Russel?”, ele também perguntou ao noivo e despertou várias risadas do público.
Os convidados - no caso, os fãs - levaram presentes, pratarias e até uma televisão.
E após o anúncio de “pode beijar o noivo” - pelo menos é o que Kelsey deveria ter dito - Sister Rosetta pegou sua guitarra.
Terminava o maior casamento que a cidade de Washington havia visto para dar início a um dos primeiros shows em estádio que se tem registro.


e) A invasão americana
No fim dos anos 50, o Rock’n Roll havia chegado para ficar. Seus principais ídolos eram homens jovens e brancos, e Rosetta, que não lançava mais tantas músicas, seguia reencenando seus hits e parecia caminhar para o final de carreira.
Até que, em 1957, ela recebeu a ligação de um grande fã britânico. O popular trombonista de Jazz, Chris Barber, queria levá-la para a Europa e fecharam um acordo para um mês de turnê.

Sua guitarra por si só era tão alta quanto a minha banda inteira. 
Foi apaixonante, totalmente fascinante. Chris Barber

Até então, o público britânico havia visto Blues e Gospel apenas por imitações brancas. Pela primeira vez, eles tinham contato com a música de verdade.
Essa turnê chamou a atenção de todos na Europa, tanto de agentes quanto de novos fãs. Rosetta era uma estrela renascida e agora espalhava sua influência em um novo continente.
A cantora não estava sozinha nessa e vários artistas americanos também passaram a viajar pelo continente europeu para fazer shows.
Entre eles, estava o lendário Muddy Waters, um dos pioneiros na eletrificação do Blues, e que participou ao lado de Rosetta numa série de shows na Inglaterra que ficaram marcados como The American Folk-Blues Festival, entre 1963 e 1966.


Então, antes de toda a Beatlemania e a Invasão Britânica, primeiro aconteceu uma Invasão Americana.
Em 1963, houve somente um show dessa turnê, na cidade de Manchester e, como era algo inédito, pessoas de várias outras cidades se organizaram para prestigiá-lo. Inclusive de Londres, de onde saiu um micro-ônibus transportando, entre outros passageiros, Eric Clapton, Jeff Beck, Keith Richards e Brian Jones.
Quando comecei este artigo, estava preocupado em investigar quem Sister Rosetta havia influenciado. Agora, tenho outra pergunta em mente: quem ela não influenciou?
O ápice dessa Invasão Americana também aconteceu em Manchester, em 1964, com um dos shows mais incomuns e icônicos que se tem registro.
Ele aconteceu numa estação de trem desativada, com o palco montado em uma plataforma e o público na outra, separados pelos trilhos. Rosetta — com 49 anos de vida e mais de 40 de estrada —, que estava acostumada a limusines, chegou ao palco em uma carruagem.
Enquanto desembarcava, ela deixa claro o quanto estava contente ao elogiar o cavalo que a trouxe e ao declarar que “aquele era o momento mais maravilhoso de sua vida”, antes mesmo de colocar os pés no chão.


Por mera formalidade, Sister Rosetta recebeu a ajuda de Cousin Joe para descer e, então, caminharam lentamente de braços dados na direção de sua guitarra. “Está chovendo e as pessoas são muito gentis por ficarem aqui”, ela dava a pista de que a primeira música seria Didn’t it Rain.
Com a alça da guitarra devidamente vestida, a mão esquerda pressionando as cordas junto aos trastes e a direita com a palheta preparada, surgem as primeiras notas.
E quando começa a tocar, Rosetta está completamente entregue ao momento. Cabeça levemente curvada para trás, olhos para cima, às vezes fechados, e ela entra em comunhão com algo que não podemos ver, mas felizmente podemos ouvir.
Senhoras e senhores, Sister Rosetta Tharpe.

A irmã Rosetta Tharpe não era nada comum, nem simples. Ela era uma grande e bela mulher, e divina, para não mencionar sublime e esplêndida. Ela era uma força poderosa da natureza. Um evangelista que cantava e tocava guitarra.
Ela viajou para a Inglaterra com Muddy Waters e vários outros artistas do Blues no começo dos anos 60. E tenho certeza que vários jovens ingleses resolveram pegar uma guitarra após vê-la tocando.
Bob Dylan

f) Memórias preciosas
Depois disso, vieram diversos artistas e bandas que se consagraram no cenário do Rock e, hoje, são vistos como grandes referências no universo da música.
Rosetta, por outro lado, não teve últimos dias tão gloriosos quanto merecia. Sua mãe, que acompanhou de perto todos os seus passos, faleceu em 1968 — o que já foi um baque gigantesco para ela.
Após ser diagnosticada com diabetes, teve uma perna amputada por complicações da doença, em 1971. E dois anos mais tarde, depois de sofrer um derrame, Sister Rosetta Tharpe não resistiu e acabou falecendo.
No funeral, Marie Knight fez questão de maquiar e vestir sua companheira para garantir que ela estaria o mais glamourosa possível. E prestou uma homenagem como despedida, reencenando uma música de Rosetta que estavam acostumadas a cantar juntar: Precious Memories.

Velhos tempos cantando, alegria trazendo
Daquela terra adorável em algum lugar
Memórias preciosas, como elas permanecem.

Somente 36 anos depois, em 2009, Rosetta ganhou uma lápide e, em 2018, foi integrada ao Hall da Fama do Rock’n Roll, em Cleveland.

A lápide da irmã Rosetta Tharpe no cemitério Northwood da Filadélfia.
O memorial foi pago graças a um concerto beneficente organizado
pelo escritor e fã Bob Merz

Placa na Filadélfia indicando onde era a casa de Sister Rosetta


The Godmother of Rock’n’Roll – Sister Rosetta Tharpe






Até o próximo encontro!



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