domingo, 7 de junho de 2020

ROCK - Suas Histórias & Suas Magias - Capítulo 3 Parte B

Capítulo 3
Entendendo a Música Blues – Parte B


d) Bluegrass

A balada de rua das pessoas que migraram para as Américas no início dos anos 1600 é considerada a raiz da música tradicional americana. Sendo que os primeiros colonos se espalharam nas Carolinas, Tennessee, Kentucky e Virginha, faziam composições das suas experiências vividas do seu dia-a-dia nas terras novas. Como a maioria deles vivia em áreas rurais, as canções refletiam a vida na fazenda ou nas montanhas e estas músicas eram chamadas "Musica da Montanha" (Mountain Music) ou "Musica da Região" (Country Music). A invenção da Vitrola (phonograph) no início dos anos de 1900 tirou esta música das montanhas do sul dos Estados Unidos e a levou para pessoas espalhadas pelo país todo. O canto belo se tornou uma parte mais importante da música country. Artistas cantores, tais como Jimmie Rodgers, conjuntos de família como a Carter Family da Virginia e duetos tais como os Monroe Brothers do Kentucky contribuíram muito para o avanço da música regional tradicional.

Jimmie Rodgers

Os Irmãos Monroe era um dos duetos mais populares da década dos anos 20 até os anos 30. Charlie era violonista, Bill tocava o bandolim e eles cantavam duetos em harmonia. Quando os irmãos se separaram em 1938, cada um seguiu formando sua própria banda. Uma vez que o Bill era um nativo do Kentucky, considerado o Estado do Bluegrass, ele decidiu de chamar sua banda "Bill Monroe and the Blue Grass Boys", e o som desta banda deu cria a um novo timbre da Country Music.

Bill Monroe and the Blue Grass Boys

Bill Monroe & the Blue Grass Boys apareceram pela primeira vez no teatro "Grand Ole Opry" em 1939 e em breve se tornou uma das bandas mais populares saído dos estúdios de Nashville. A banda do Bill era diferente das demais bandas tradicionais da Country Music por causa do seu forte balanço e timbre sonoro, usando instrumentos acústicos tradicionais e apresentando harmonias vocais bem distintas. Esta música incorporava canções e ritmos de conjuntos de cordas de música gospel (brancos e negros), canções operárias e gritos dos trabalhadores negros, repertórios do country e do blues. As seleções vocais incluíam duetos, trios, cantos de harmonia em quarteto, além do vocal solo agudo e poderoso do Bill chamado de "High lonesome" (agudo solitário). Após experimentar várias combinações de instrumentos, o Bill resolveu o formato da sua banda como sendo bandolim, banjo, rabeca (violino caipira), violão e contrabaixo.
Enquanto muitos fãs do Bluegrass consideram o ano do gênero como sendo 1939, época que o Bill formou sua primeira banda, os Blue Grass Boys, a maioria, porém, acredita que o som clássico do Bluegrass se formou em 1945, logo depois que Earl Scruggs, um tocador de banjo de 21 anos da Carolina do Norte, se juntou à banda. Scruggs tocava seu banjo com uma técnica inovadora, usando 3 dedos (3-finger picking) que deixava audiências entusiasmadas cheia de energia e acabou sendo então chamada o estilo de banjo "Scruggs". Igualmente influenciando na formação clássica de 1946 dos Blue Grass Boys eram Lester Flatt, de Spartansburg, Tennessee no violão e primeiro vocal conta o tenor do Bill Monroe; Chubby Wise, da Florida na Rabeca; Howard Watts, também conhecido pelo seu nome de comediante, "Cedric Rainwater", no baixo acústico.

Lester Flatt

Quando no começo o Earl Scruggs, e depois o Lester Flatt, deixaram a banda do Bill Monroe para eventualmente formar o seu próprio conjunto, "The Foggy Mountain Boys", eles decidiram incluir em sua formação uma guitarra resofônica, também chamada de "Dobro". Este instrumento, hoje em dia faz parte de muitas bandas de Bluegrass como resultado daquela época. Burkett H. "Uncle Josh" Graves da cidade de Tellico Plains, Tennessee, ouvia o Scruggs com seu estilo "3-finger picking" em 1949 e o adaptou para o seu, quase obscuro instrumento da barra deslizante (slide bar). Com Flatt & Scruggs de 1955 até 1969, Graves introduziu seu estilo muito emulado com toque de blues em seu dobro

Burkett H. "Uncle Josh" Graves

De 1948 até 1969, Flatt & Scruggs era a maior força de introdução do Bluegrass nos Estados Unidos através da televisão nacional, nas maiores universidades e colégios e em apresentações em escolas em inúmeras cidades. Scruggs escreveu e gravou uma das mais famosas músicas instrumentais, "Foggy Mountain Breakdown", que foi usada no longa metragem "Bonnie & Clyde". Em 1969 ele estabeleceu uma inovadora carreira solo junto com seus 3 filhos, "The Earl Scruggs Review", Scruggs ainda grava e se apresenta em datas selecionadas em grupos que normalmente inclui seu filho Randy no violão e seu filho Gary no baixo.
Após deixar a parceria com Scruggs em 1969, Lester Flatt continua com sucesso sua própria banda, "The Nashville Grass", se apresentado firme até pouco antes de sua morte em 1979. Nos anos 50, as pessoas começaram a fazer referência a este estilo de música como sendo a "Bluegrass Music". Bandas de Bluegrass começaram a pipocar pelo país inteiro e Bill Monroe ficou reconhecido como sendo o "Pai da Música Bluegrass" (Father of Bluegrass Music).

Bill Monroe

Nos anos 60 foi introduzido pela primeira vez o conceito dos "Bluegrass Festivals", mostrando conjuntos que pareciam ser competidores entre si com uma audiência relativamente limitada na mesma conta em festivais de final de semana pelo país inteiro. Carlton Haney, de Raidsville, Carolina do Norte, ficou com o reconhecimento de ter encarado e produzido o primeiro festival de bluegrass music de final de semana, mantido em Fincastle, na Virgínia em 1965.
O aumento da disponibilidade de gravações da música tradicional, os festivais de bluegrass indoor e outdoor em âmbito nacional, o cinema, a televisão e os jingles comerciais de propaganda, mostrando Bluegrass Music, tirou esta música da obscuridade dos dias modernos. "Lester Flatt and Earl Scruggs & the Foggy Mountain Boys" alcançaram prominência nacional com patrocínio de turnê de Estrada pela empresa "Martha White Flour" e por tocarem a música do longa metragem "Bonnie & Clyde" mencionado anteriormente, e da mesma forma pelo show de televisão chamado Beverly Hillbillies (Família Buscapé). O filme "Deliverance" (Amargo Pesadelo) também mostrou Bluegrass music em particular, o duelo de banjo (Dueling Banjos), gravado pelo Eric Weissberg no banjo e Steve Mandel no violão.


Em 2001 a música do campeão de bilheteria para o filme dos Irmão Coen, "O Brother, Where Art Thou" (Meu irmão cadê você) atraiu uma audiência mais ampla para bluegrass e música country tradicional.


Bill Monroe faleceu em 9 de setembro de 1996, quatro dias antes de completar seus 85 anos. Em maio de 1997, Bill Monroe recebeu a honra ao mérito dos artistas famosos do Rock & Roll (Hall of Fame) pelo fato da sua profunda influência com sua música dentro da música popular dos Estados Unidos.

Cena do duelo de banjo do filme “Amargo Pesadelo”


Duelling Banjos - Guitar & Banjo Song (Deliverance 1972)




Cena marcante do filme “Amargo Pesadelo” mostra um autista num duelo de banjos
Ricardo Shimosakai – Turimso Adaptado (05.02.2012)
https://turismoadaptado.com.br/cena-marcante-do-filme-amargo-pesadelo-mostra-um-autista-num-duelo-de-banjos/

O filme “Amargo Pesadelo” (realizado em 1972), originalmente chamado em inglês como “Deliverance”, tem em seu elenco Jon Voight e Burt Reynolds. Filme violento e perturbador, dirigido por John Boorman e baseado no romance de James Dickey.
Um grupo de amigos decide descer pela última vez as correntezas de um rio antes que o mesmo se torne uma represa. Apesar de advertidos pelo pessoal da região, ignoram os perigos existentes e partem rumo a uma arriscada aventura. Baseado no romance de James Dickey’s.
Um duelo de banjos gerou a seguinte “Lenda Urbana”, que circula pela Internet. Consta ser uma cena verídica. O garoto da cena não é ator, apenas um autista e cego que residia no local onde estavam sendo feitas as filmagens. A equipe parou num posto de gasolina para abastecer e aconteceu a cena mais marcante que o diretor teve a felicidade de encaixar no filme.
No início está distante, mas à medida que toca seu banjo ele cresce com a música e vai se deixando levar por ela, até transformar sua expressão num sorriso contagiante, transmitindo a todos a sua alegria. A alegria de um autista que é resgatada por alguns momentos, graças a um violão forasteiro.
O garoto brilha, cresce e exibe o sorriso preso nas dobras da sua deficiência, que a magia da música traz à superfície. Depois, ele volta para dentro de si, deixando sua parcela de beleza eternizada “por acaso” no filme “Amargo Pesadelo” (Ano: 1972).
O enigmático menino, que aparenta algum tipo de problema mental, na verdade é Billy Redden, um estudante local selecionado para compor o elenco. Sua habilidade com o banjo é emprestada de um profissional que fica por trás dele, vestindo uma camisa de quatro mangas. Hoje em dia Billy é dono de um restaurante.
A representação de pessoas com deficiência no cinema por atores, sempre foi um tema polêmico. Muitas vezes é questionado porque não colocar uma pessoa que realmente possua a deficiência para atuar. Uma das justificativas, é porque não há pessoas com deficiência com experiência para atuar. Nesse caso, por exemplo, seria muito difícil encontrar um autista que tivesse essa habilidade no banjo, e treinar um levaria muito tempo. De qualquer forma, analisando somente o aspecto artístico da cena, este duelo de banjos é muito bonito, e mostra a tradição musical do oeste norte-americano.

A música bluegrass está sendo tocada e apreciada pelo mundo inteiro, a IBMA (International Bluegrass Music Association) conta com sócios em todos os 50 estados dos Estados Unidos e em 30 países. Em adição ao estilo original nascido em 1945 que ainda está sendo tocado amplamente, os conjuntos de bluegrass hoje em dia refletem influências de uma variedade de fontes incluindo jazz tradicional e de fusion, country music contemporânea, música celta, Rock & Roll ("Newgrass" ou bluegrass progressivo), "Old-Time Music" e "Southern Gospel Music", e juntando letras de música traduzidas para outros idiomas.


Bill Monroe & The Blue Grass Boys - Uncle Pen (1965)




Jimmie Rodgers - Waiting for a Train



The Monroe Brothers - New River Train (1936)



Lester Flatt and Earl Scruggs - Foggy Mountain Breakdown (1949)



e) Boogie-Woogie

O boogie-woogie é um estilo de blues, caracterizado pelo uso sincopado da mão esquerda ao piano. Foi muito popular entre os negros nos anos 30 e anos 40 nos Estados Unidos, sendo geralmente tocado pelos mesmos.
As bandas em geral tinham três pianos, violões e tocavam música country e gospel em um estilo de guitarra próprio.
Os grandes nomes do estilo são Memphis Slim, Pete Johnson, Albert Ammons, Little Richard e Meade Lux Lewis que compuseram conhecidas músicas do gênero, como 6th Avenue Express, Boogie Woogie Stomp, entre outras.

Memphis Slim

Musicalmente falando, o Boogie-Woogie é um percursivo estilo de tocar blues no piano caracterizado por ritmo forte com variação do baixo com oito notas em tempo quaternário e solo improvisados.
Esse termo pode ser encontrado em:
     Big Bill Broonzy - Joe Turner Blues e Joe Turner No 2 (Blues de 1892);
     Little Walter - Tell Me Mama;
     Omar & The Howlers - Booger Boy.


Sugar Chile Robinson - Numbers Boogie (1951)



Pinetop's Boogie Woogie - Played by Jimmy Reed



f) Os Anos 60 e o Blues Britânico

Um dos momentos mais marcantes do blues foi a apresentação de Muddy Waters em Londres no início dos anos 50. Foi um marco, pois dali em diante o blues ganharia renome internacional e influenciaria o surgimento de novas vertentes musicais, especialmente o rock n' roll. Logicamente Chuck Berry é indiscutível como iniciador do modelo rock, porém sua origem é absoluta no blues, ainda mais na música de Waters. Mas foi o reconhecimento do blues na Inglaterra nos anos 50 que alavancaria o nascimento de uma revolução na história da música ocidental. E foi da fusão do blues, com essa nova vertente, o rock, que nasceria o gênero que marcaria em essência toda a nova geração de músicos que surgia no cenário mundial. Era o blues-rock. Bandas como Beatles, Rolling Stones, Yardbirds e mais posteriormente Cream, Fleetwood Mac, Jeff Beck e Led Zeppelin teriam suas raízes totalmente fundadas no blues elétrico de Chicago. Talvez o grupo de maior importância no recém surgido cenário blues britânico tenha sido John Mayall and the Bluesbreakers, que além de ter grande influência no crescimento do blues dentro do país, foi a banda-alçapão de músicos que viriam a se tornar importantíssimos nesse cenário musical em ascensão, como Eric Clapton, que posteriormente viria a formar o Cream, Peter Green que sairia do grupo para ser líder e compositor do Fleetwood Mac, e Mick Taylor, que seria requisitado como guitarrista dos Rolling Stones. E, com o reconhecimento mundial desses músicos, os nomes clássicos do folk-blues americano como Robert Johnson, Son House, Muddy Waters, Howlin' Wolf e B.B. King passaram a ser referências diretas. Foi no Newport Folk festival de 1963 que o blues teve seu auge, com a apresentação de diversas figuras consagradas do estilo. Daí em diante praticamente todos os músicos dos mais diversos estilos provenientes do rock e blues regravaram clássicos antigos. O Led Zeppelin, em seu primeiro álbum gravou uma série de composições de Willie Dixon, porém incluindo como autoria própria, o que resultaria em uma batalha judicial, que obrigaria a banda a identificar Dixon como autor original.

Muddy Waters

Na América, os efeitos foram diretos, e músicos como Creedence Clearwater Revival, The Doors, Bob Dylan e Jimi Hendrix desenvolveram seus estilos próprios fundamentados nas raízes do blues. Internamente, nomes como Albert King, Freddie King e Buddy Guy, iniciaram uma mudança na sonoridade do blues, juntando elementos típicos do rock, a guitarra distorcida e pesada, com o som tradicional, o que levaria alguns puristas a rejeitarem essa nova "moda" que contrariava o purismo tradicional da música.


Muddy Waters - Walkin' Blues (1950)



John Mayall's Bluesbreakers – All Your Love



Howlin' Wolf - How Many More Years



g) Blues do Delta

Iniciada com a quebra da Bolsa de Valores de Nova York, em 1929, a crise econômica norte-americana se transformou na Grande Depressão nos anos 30, afetando toda a economia mundial.
Com isto, as lavouras de algodão do Delta do Mississipi também entraram em uma forte crise, o que ocasionou uma verdadeira fuga dos negros dos campos, numa migração em massa rumo às grandes cidades do Norte. Chicago se tornou a terra prometida pela necessidade de mão-de-obra nas fábricas e pelas favoráveis condições ao blues.

Bob Dylan – Highway 61 Revisited

A Highway 51 e a 61 foram as principais rotas adotadas pela migração. Os trens e trilhos corriam como sangue nas veias do blues. A ferrovia não era um mero meio de transporte, era quase um veículo mágico que leva o negro a transcender a sua condição. Viagem, união e separação: o trem adquiriu no blues uma dimensão mitológica, sendo imitado por vários músicos, principalmente pelos gaitistas da época.

Highway 51

Highway 61

Nos anos quarenta, o coração do Blues mudou-se para a região sul de Chicago. Lá surgiram grandes nomes como Elmore James, Willie Mabon, Jimmy Rogers, Sonny Boy Williamson, Otis Spann, Willie Dixon, Muddy Waters e Howlin’ Wolf.

Otis Spann

Entre as canções mais representativas deste período podem ser destacadas Hoochie Coochie Man, Mannish Boy, Sloppy Drunk e Don’t Start Me Talkin.

Elmore James

Foi criado por volta de 1940/1950, amplificando o Delta Blues. Adicionou-se bateria, contra-baixo e piano (às vezes saxofone), criando o que conhecemos hoje como "blues band" (banda de blues). O estilo deu origem às batidas de rock e ao ritmo do funky music nos anos 80 e 90.


Elmore James - "It hurts Me Too" | Remastered



Willie Mabon-The Seventh Son



Sonny Boy Williamson - Keep it to Yourself



Otis Spann: T'ain't Nobody's Business if I Do



Muddy Waters, Memphis Slim, Willy Dixon, Otis Spann et al - Bye Bye Blues



Até o próximo encontro!




Um comentário:

  1. Mais uma vez, muito obrigado pela qualidade do material.
    Parabéns pelo esmero.

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