domingo, 31 de maio de 2020

ROCK - Suas Histórias & Suas Magias - Capítulo 3 Parte A

Capítulo 3
Entendendo a Música Blues – Parte A



1. Considerações

Segundo Roberto Muggiati, o Rock nasceu de um grito, o primeiro grito do escravo negro ao pisar em sua nova terra, a América. Esses berros de estranha entonação eram atividade expressiva comum entre os nativos da África Ocidental. O primeiro grito negro cortou os céus americanos como uma espécie de sonar, talvez a única maneira de fazer o reconhecimento do ambiente novo e hostil que o cercava. À medida que o escravo afundava na cultura local – representada, no plano musical, pela tradição europeia – o grito ia se alterando, assumia novas formas. Servia de suporte às canções-de-trabalho e às cantigas-de-escárnio, aos cântigos religiosos (muitos deles obedecendo ao esquema de chamada-e-resposta), a spirituals, a gospel-songs, e às canções de menestréis.

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Em torno do berro iam se acumulando novos sistemas sonoros, mas ele permanecia com a estrutura primeira, o núcleo da expressão musical negra. Recentemente, pesquisadores e etnólogos chegaram a traçar gráficos detalhados das ondas sonoras destes gritos, submetidos a um processo fonofotográfico. Conclusão: o grito africano é um som único, que desafia qualquer análise segundo os padrões estabelecidos da musicologia ocidental. Foi do casamento do grito escravo com a harmonia europeia que nasceu o Blues. A linguagem do blues ainda está muito viva na música pop e define mesmo algumas modalidades do Rock atual.


A marca do blues, a sua célula básica, é a blue note – e isso se aplica também ao jazz e de certa forma ao rock. Essas Blues Notes, que formam a tonalidade-blue (triste, melancólica), resultam justamente de uma resistência cultural, de uma inadequação do negro, incapaz de aderir completamente à tonalidade europeia. Alguns chamaram estas notas – chocantes para os ouvidos da classe média – de rebeldes. No jargão dos músicos, elas eram Dirty Notes, notas sujas. Escreve o chefe de orquestra Rudy Vallee por volta de 1930: “Tenho tocado uma certa nota meio bárbara no meu saxofone, e observado o seu efeito sobre uma multidão, a agitação dos pés e pernas jovens”. Vallee não sabia, mas tinha descoberto a blue note.


Quando os primeiros berros cortaram a noite americana, eram manifestações tão pessoais que identificavam imediatamente o indivíduo que os emitia. “Aí vem o Sam”, comentava a namorada, ou o amigo. “Will Jackson está chegando”, ou ainda, “Acabo de ouvir Archie dobrando a esquina”. Os blues também eram a marca de individualidade: havia blues de Blind Lemon, blues de Willie Johnson. Já nos primeiros berros se encontrava o material idiomático que caracteriza o blues: o tempo lento, o comportamento exagerado, a preferência pela Terça bemolizada (Blue Note), o sentimento melancólico. O blues foi surgindo à medida que os gritos se tornaram mais complexos: gritos acompanhados pela guitarra, gaita-de-boca ou outros instrumentos pobres e rudimentares, o ritmo marcado na batida do pé – isso nas zonas rurais. Nas cidades, iam-se introduzindo no acompanhamento os instrumentos europeus mais sofisticados: cornetas, trombones, clarinetes, piano. Inicialmente uma frase solta no espaço, o blues, seguindo o ritmo natural da fala, acabou se fixando em 12 compassos, divididos em 3 partes iguais, com um diferente acorde para cada parte.


Ao fim de cada frase sobra um tempo livre, que é geralmente preenchido por uma resposta instrumental. Esse esquema de chamada-e-resposta sobrevive no Rock, no diálogo entre voz e guitarra. Marshall Stearns, crítico e pesquisador do jazz, analisa essa estrutura peculiar: “O fato fora do comum nesta forma de blues é que consiste de três partes, em vez de duas, ou quatro. É uma forma de estrofe bastante rara na literatura inglesa e pode ter-se originado com o negro americano. Assim como a estrofe da balada, ela fornece um bom veículo para uma narrativa de qualquer tamanho. Ao mesmo tempo, é mais dramática: os dois primeiros versos criam a atmosfera de maneira clara, pela repetição, e o terceiro desfere o golpe. A estrofe do blues é comunicação em cápsula, feita sob medida para a apresentação ao vivo, em meio a um público participante”.
As blue notes estão por toda a parte, no rock. Estão na música de Bob Dylan, embora ela se aproxime mais do estilo folclórico branco. Estão principalmente nas canções dos Rolling Stones, carregadas de blues. E também nos Beatles, que souberam equilibrar como poucos as duas grandes correntes do Rock and Roll, criando assim um novo idioma: o rock.


2. Uma Breve História dos Caminhos do Blues

Há várias versões sobre aquela que é a primeira composição típica de blues, assim como seu primeiro idealizador. Diz a lenda que o autoproclamado "Pai do Blues" W. C. Handy ouviu este tipo de música pela primeira vez em 1903, quando viajava clandestinamente em um vagão de trem e observava um homem que tocava violão com um canivete. Daí teria surgido aquele que é dito como o primeiro blues da história, St. Louis Blues. Porém o mais correto a afirmar é que o blues surgiu de uma forma mais ambiental e progressiva do que uma única canção. De fato, a instrumentalização das work songs (canções de trabalho) foi o marco inicial para o surgimento do blues como estilo de música.


Slave Song – The Black Woman



O primeiro nome popular a surgir como músico específico de blues foi o de Charley Patton, em meados da década de 20. Posteriormente, na mesma época, surgiram nomes como de Son House, Willie Brown, Leroy Carr, Bo Carter, Sylvester Weaver, Blind Willie Johnson, Tommy Johnson dentre outros.
  
Son House

A princípio, a maioria das canções interpretadas eram cantos tradicionais como Catfish Blues e John The Revelator, canções essas que tiveram vários intérpretes e versões variadas no decorrer da história. Porém, foi na década de 30 que surgiu aquele que é talvez o nome mais influente e idolatrado do blues: Robert Johnson. Influenciado sobretudo por Son House e Willie Brown, Johnson viveu pouco tempo, cerca de 27 anos, sendo que a sua data de nascimento não é totalmente precisa. Vitimado, segundo a lenda, por um whisky envenenado pelo marido de uma de suas amantes. Gravou 29 canções apenas, entre 1936 e 1937, porém consideradas alguns dos maiores clássicos de blues de todos os tempos.


Charley Patton - Spoonful Blues (Delta Blues 1929)



No final dos anos 30 e inícios dos 40 surgiram as primeiras grandes bandas de blues, de Sonny Boy Williamson e Big Bill Broonzy. E a partir de 1942 o blues sofre sua primeira grande "revolução" interna com o soar das primeiras notas eletrificadas do legendário guitarrista T-Bone Walker.

T-Bone Walker

Certamente é deste nome que remonta as origens do formato consagrado do blues moderno, baseado na repetição 12 compassos da melodia base e com o solo totalmente livre do acompanhamento, (ou seja, o puro improviso) o que não ocorria até então já que o solista era na maioria dos casos também o responsável pela parte rítmica instrumental. O que certamente tornou possível a T-Bone Walker ser o precursor do estilo clássico moderno do blues foram suas raízes no Jazz, que posteriormente imortalizariam a marca de seu Blues. Com a explosão do blues em Chicago e o advento da eletricidade na música, o blues atingiu um patamar novo, deixando de ser restrito a um pequeno grupo, para se tornar cultura popular no sul dos Estados Unidos.


T-Bone Walker- Don't Throw Your Love On Me So Strong



a) Rhythm and Blues
Rhythm and Blues ou R&B foi um termo introduzido no Estados Unidos no final de 1940 pela Revista Billboard. O termo substituiu Race Music, que em língua inglesa era ofensivo. Em suas primeiras manifestações o Rhythm and Blues foi um predecessor do Rock. Atualmente se aplica a qualquer forma de música pop com artistas negros e está mesclado a ritmos como o Rap e o Jazz. Todos sabem os resultados ocorridos com a música mundial a partir da chegada de homens e mulheres sequestrados de vários países do continente africano nas 13 colônias inglesas, no início do século XVII. Assimilando o idioma, cultura e instrumentos dos brancos europeus as suas próprias, os africanos e seus descendentes fizeram surgir o Gospel, canção religiosa e o Spiritual, também religiosa, mas frequentemente usado com temáticas “mundanas” e as work songs (canção de trabalho), cujo ritmo era usado para dar ânimo e ditar a velocidade aos trabalhos dos escravos das plantações de algodão existentes no sul dos EUA. As duas vertentes musicais acima são bases do Rhythm and Blues, mundialmente conhecido como R&B, em conjunto com o Jazz, particularmente pela chamada jump music (um Jazz com predomínio de saxofone e pouca presença de guitarra). Dando um salto no tempo, indo para a década de 30, com as grandes migrações das populações rurais provenientes do sul dos EUA em direção as cidades industriais do Norte, devido à grande depressão, o Blues distanciou-se de suas origens, na medida em que seus compositores e intérpretes também se adaptavam a vida urbana.


Naquele novo cenário nascia o Big City Blues (BCB), com a sonoridade típica das grandes cidades; eletrificado em contraposição do Country Blues (CB), de temática rural e sonoridade acústica - trazendo temas que relatavam a realidade dos afro-americanos nos grandes centros urbanos. Porém, a despeito da mudança de cenário (ao invés do campo, cidades), os temas dos BCB eram conceitualmente os mesmos do CB. Os afro-americanos somente trocaram um tipo de miséria e discriminação étnica por outro, que os levou a viver confinados em guetos (algo semelhante ao Brasil?).


Big City Blues (BCB) Red Nichols - Margie (1928)



Masters of the Country Blues



Após o termino da Segunda Grande Guerra Mundial e da integração forçada dos afro-americanos por necessidade da crescente economia, floresceu uma poderosa indústria fonográfica afro-americana, administrada por e para afro-americanos, com seus próprios astros, estrelas e sucessos de venda. Um pouco de prosperidade financeira e social trouxe às letras um tom mais alegre. Além disso, o BCB transformou-se com harmonias cada vez mais elaboradas, trabalhadas por excelentes grupos vocais, o que gerou uma febre em meio a toda a juventude que vivia no meio dos anos 50. Nascia assim o “Doo-Woop”. Quando se acelerou um pouco mais a batida, trocou-se a palavra Lord (Senhor referindo-se a Deus) por baby, surgiu o R&B. Quente e dançante levemente malicioso, talvez a primeira expressão do Pop.


Doo-Woop - The Penguins - Earth Angel



Uma curiosidade sobre o poder da música; muito embora o mercado musical afro-americano fosse, e de certa forma ainda é, separado do mercado musical da população branca norte-americana, os “race records” (discos produzidos para consumo dos afro-americanos) de R&B, faziam tanto sucesso que arrebatou boa parte juventude urbana dos EUA. O ritmo causou tão grande terremoto que, mesmo com a ordem expressa proveniente dos pais daqueles jovens, de manter o mínimo de contato possível com qualquer coisa que lembrasse “aquela gente”, os jovens adolescentes brancos formavam grupos secretos, com a única intenção de ouvir R&B. O R&B é a primeira manifestação musical afro-americana a tornar-se um ritmo popular. Durante o início dos anos 60, não só no cenário musical dos EUA, mas também no do Reino Unido, o R&B atingiu seu auge de popularidade. Sem sofrer o mesmo tipo de distinção racial que limitava sua aceitação nos EUA, os grupos musicais britânicos rapidamente adotaram este estilo de música, e grupos como os Rolling Stones levaram o R&B a grandes plateias. Já no final dos anos 60, com a mudança dos temas musicais, influenciados pela luta em favor dos Direitos Civis nos EUA para os afro-americanos e a Guerra do Vietnã, o R&B ficou sem espaço e foi rotulado com música alienada.


The Rolling Stones - Around Around 1964



The Rolling Stones - Little Red Rooster (1964)



Os jovens brancos agora tinham o Rock´n Roll, e para a juventude afro-americana chegava a Soul Music. Tanto é que naquela época o R&B ficou mais conhecido por Motown Sound. O R&B ressurgiu nos últimos anos para designar a música negra norte-americana abrangendo o Pop, fortemente influenciado pelo Rap, pelo Funk e pelo Soul.

Bo Diddley



Ray Charles                            James Brown                                      Otis Redding
Bo Diddley                             Aretha Franklin                                   The Blues Brothers
Marvin Gaye                           Fats Domino                                       Sam Cooke
Al Green                                 The Temptations                                 Etta James
Wilson Pickett                        Solomon Burke                                   Stevie Wonder
Bill Withers                            The Drifters                                         Ike & Tina Turner
Curtis Mayfield                      Albert King


James Brown - I Got You (I Feel Good) - Live At The L'Olympia, Paris (1966)



Fats Domino - Ain't That A Shame



The Drifters - Stand By Me



The Temptations - My Girl



b) Jump Blues

Por volta da década de 40, devido à migração dos artistas do Delta do Mississipi para Chicago, ou seja, com os artistas saindo da zona rural e se dirigindo para as grandes cidades em busca de oportunidades, houve a eletrificação do Blues, originando, dentre outras correntes, ao Jump Blues que é uma vertente do blues eletrificado.
Ele é caracterizado por ser mais acelerado, porém mais dançante que o blues tradicional. É possível observar pitadas de Blues, de Jazz e um swing bem diferenciado. O Jump Blues influenciaria mais tarde uma gama de artistas que dariam início ao “Rockabilly”.


Jump-Blues Guitar Killers



c) Texas Blues

Com o surgimento de fábricas e empregos em outros lugares do país atraíram os negros e que levaram consigo o Blues, difundindo o estilo pelo resto dos EUA. O Blues começava a se espalhar por toda a América do Norte e dois estados específicos, fizeram um bom dever de casa: Texas e Califórnia. Os blues-man nascidos nestes estados geralmente são famosos (exemplo Stevie Ray Vaughan do Texas), e as músicas, bem conhecidas.

Stevie Ray Vaughan

O Texas Blues nasceu na metade dos anos 20, possuía as tradições do Country Blues, porém, o violão mais do que mero acompanhamento, era uma extensão do vocal. Outro estágio do Texas Blues veio depois da Segunda Guerra Mundial, trazendo um estilo totalmente elétrico.
Apesar de ser mais influenciado pelo Blues do Texas, a costa oeste, onde surgiu o Blues da Califórnia, incorporou uma grande variedade de estilos. Pessoas quem vinham do Texas, Oklahoma, Louisiana, e Arkansas, para trabalharem nos campos e nas fábricas, durante e após a Segunda Guerra Mundial, trouxeram consigo o blues da região que viviam. E, nesta mistura de raízes diferentes, dentro do mesmo estilo, formou-se o Blues da Califórnia.
Este estilo de Blues se originou com base nas audiências das Big Bands dos anos 30 e 40.


Glenn Miller - In The Mood




Rhapsody In Blue (1945)



Cab Calloway - Minnie the moocher (The Blues Brothers 1980)



Lightnin Hopkins - Texas Blues - Once Was A Gambler



Stevie Ray Vaughan - Texas Flood (from Live at the El Mocambo)



Stevie Ray Vaughan - Look at Little Sister



Stevie Ray Vaughan - Life Without You





Até o próximo encontro!




2 comentários:

  1. Sensacional. Está sendo uma escola para mim. Muito obrigado.

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  2. O Planet fica feliz e o Rock agradece. Um abraço.
    Walter Possibom

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