domingo, 10 de maio de 2020

ROCK - Suas Histórias & Suas Magias - Capítulo 2 parte A

ROCK – Suas Histórias & Suas Magias
Capítulo 2 – Parte A
O Nascimento do Blues na Sociedade Americana


1. Introdução

O Blues nasceu com a voz dos escravos dos campos de algodão do sul dos Estados Unidos. Eles cantavam durante os trabalhos nas plantações para aliviar a dureza do trabalho.


Enquanto os negros soltavam suas emoções, os brancos viam o lado prático da coisa. Para os fazendeiros, as work-songs (canções de trabalho) ajudavam a imprimir um ritmo ao trabalho no campo e deixavam os escravos mais alegres. A partir da década de 1860, os spirituals - canções religiosas entoadas pelos negros africanos desde sua chegada à América - sofreram uma mutação fundamental. Além de apelar para Deus, os escravos começaram a curar suas dores de amor através da música.
O Blues é, também, o lamento do andarilho das estradas, o mesmo que chegou até as cidades, adotou o microfone e a guitarra elétrica.


Criado no século passado, ele tomou sua forma final somente a partir de 1900. As primeiras gravações datam dos anos 10. Mas o Blues esperaria um pouco mais para florescer graças ao talento de Big Bill Broonzy, Bessie Smith, Muddy Waters, Otis Spann, Bo Diddley, B.B. King, Lowell Fulson, John Lee Hooker, Howlin, Wolf, Sonny Boy Williamson, Memphis Slim e Buddy Guy.
  

A transgressão não estava somente na conotação amorosa e sexual das letras do Blues. No formato musical, o estilo também marcou uma ruptura.
Fugindo da complexidade do Jazz e da rigidez dos eruditos, o Blues nasceu como uma música crua.
Com uma base harmônica quase simplória, o estilo disseminou-se rapidamente pelo sul dos Estados Unidos. Tocar e cantar o Blues era, teoricamente, simples. Mas o que transformava um mero curioso num verdadeiro bluesman era o sentimento que ele colocava em sua interpretação.
No final do século XIX, a alta taxa de natalidade provocada pela emancipação dos escravos proporcionou outros tipos de trabalho aos negros. Muitos deixaram o campo e partiram para a periferia das grandes cidades do Sul, como Chicago, Memphis e a região do Delta do rio Mississipi, nos estados de Arkansas, Tennessee, Alabama, Luisiana e Mississipi, para trabalhar nas primeiras metalúrgicas e refinarias do país ou em canteiros de obras.
Mas a maior parte deles foi parar nos entrepostos de algodão e tecidos. Esse movimento em direção às cidades do Sul atingiu seu pico entre a virada do século XX e o final da primeira Guerra Mundial (1914-1918).


Mamie Smith

A formação de guetos foi inevitável. Neles, os negros ralavam, sofriam e também se divertiam. A procura por prazer em prostíbulos, bares e casas de jogo tinha um ponto em comum: a música. Neste ambiente, explodiu a revolução do Blues urbano.
Quando conseguiam descolar instrumentos musicais, os negros tocavam o banjor, um ancestral do banjo de origem africana, e o fiddle, espécie de violino trazido para os Estados Unidos pelos irlandeses. O violão apareceria logo depois, graças à influência espanhola vinda do México.
Os primeiros Bluesmen profissionais formam uma categoria à parte. Incapacitados para o trabalho manual, cegos e deficientes encontravam na música seu meio de vida. Blind Lemon Jefferson, Blind Willie McTell e outros tantos Blinds (cegos) começaram assim. Também nascia a tradição do músico itinerante de vida na estrada.
O primeiro Blues a virar disco foi gravado em Nova Iorque pela cantora Mamie Smith, em 1920.
"Crazy Blues" superou todas as expectativas, vendendo 75 mil cópias por semana.


Mamie Smith – Crazy Blues (1920)



Com o sucesso, Mamie voltou ao estúdio três vezes em três semanas e virou febre.
A partir de 1921, todas as grandes gravadoras americanas passaram a ter suas "race series" (séries da raça), subdivisões que lançavam discos de músicos negros para o consumo da população dos guetos urbanos do sul.
A primeira onda de sucesso de vendas de discos foi capitaneada por cantoras como Bessie Smith, Geertrude Ma Rainey e Alberta Hunter.
Até a segunda Guerra Mundial (1939-1945), o mais importante celeiro do Blues era a região do Delta do Mississipi. Ali surgiram Bluesmen fundamentais como Charlie Patton, Tommy Johnson, Son House, Skip James, Big Joe Williams e o lendário Robert Johnson.
Para alguns historiadores, o que fazia o Blues do Delta ser único era a forte influência africana, com um ritmo sincopado, mascado pelos pés, o uso do falsete nos vocais, repetições de um mesmo acorde e o uso de um truque que viraria uma marca registrada do gênero: o slide.
Deslizando o gargalo de uma garrafa ou um pedaço de osso - mais tarde, tubos de metal também seriam usados - sobre as cordas do violão, o músico conseguia um efeito inédito no instrumento.
Com o início da Segunda Guerra Mundial, o panorama social começou a mudar nos estados do Sul. Graças à entrada de negros nos quadros militares, surge uma promessa de integração racial. Pura ilusão. Encontrando o mesmo cenário na volta para casa, os negros passaram a se isolar cada vez mais em bairros próprios e nasce uma consciência racial que desembocaria nos movimentos pelos direitos civis dos anos 60.


No mundo da música, o esquecido Blues regional cede espaço para um som nitidamente urbano, marcado pela presença de um novo ingrediente: a guitarra elétrica.
Novas gravadoras abrem suas portas e outros bluesman passam a dominar a cena. Em Memphis, agora a capital da região do Delta do Mississipi, garotos como B. B. King, Elmore James, Sonny Boy Williamson e Howlin' Wolf dão seus primeiros passos. Em Chicago, surge outra leva de gênios.
Lá nasceu a parceria de Muddy Waters e Willie Dixon, que rendeu frutos como os clássicos "Hoochie Coochie Man", "Mannish Boy" e "Rollin' and Tumblin'". A cidade Aina viu surgir Little Walter, Otis Rush, Magic Sam e Buddy Guy.


Bessie Smith - St.Louis Blues (1929)



Janis Joplin - Black Mountain Blues (Live) - (Bessie Smith Cover) - Early 1960s



Muddy Waters - Manish Boy



Enquanto isso, o solitário John Lee Hooker levanta sua voz em Detroit. Cada um à sua maneira, todos deixaram sua marca na história do blues.


John Lee Hooker - Boom Boom


Mas os Estados Unidos estavam mudando. Nos anos 50, o Rock'n'Roll explode, uma célebre frase resume bem essa situação: "O Blues teve um bebê e ele ganhou o nome de Rock'n'Roll.
A partir desta fase, o estilo criado pelos escravos do sul dos Estados Unidos começou a ser um ingrediente obrigatório na receita de inúmeros cantores e bandas de Rock. De Elvys Presley a Janis Joplin. De Rolling Stones, Led Zeppellin a Deep Purple, passando por The Doors, Creedence Clearwater Revival e The Who, todo mundo sofreu alguma influência do blues, culminando com Jimi Hendrix e Eric Clapton, estes em diversas formações de banda ou em carreira solo.

2. O Nascimento do Blues

É no diário de Charlotte Forten que aparece pela primeira vez o termo "Blues". Charlotte era uma negra nascida livre no Norte, que tinha estudado e se tornado professora. Depois de alguns anos de ensino no estado de Maryland, decidiu, a pedido do proprietário, ensinar a ler os escravos de Edito Island, na Carolina do Sul e aí morou de 1862 a 1865. Ela manteve um relatório quase que diário desses anos, notando sobretudo as dificuldades de toda ordem que encontrava em suas obrigações. No domingo de 14 de dezembro de 1862 escreveu, transtornada pelos gritos que subiam dos bairros de escravos: "Voltei da igreja com o Blues. Joguei-me sobre meu leito e pela primeira vez, desde que cheguei aqui, me senti muito triste e muito miserável". Ela não define as relações eventuais do Blues com qualquer expressão musical, mas nota, todavia, alguns dias mais tarde (18 de fevereiro de 1863), falando da canção Poor Rosy: "Uma das escravas me disse: Gosto de Poor Rosy mais do que de qualquer outra canção, mas para cantá-la bem é preciso estar muito triste e com o espírito inquieto".

Charlotte Forten

Não há nenhuma dúvida que esses termos definem o humor necessário ao Blues, como testemunham dezenas de entrevistas de artistas. Se Poor Rosy, tal como a conhecemos através de algumas versões gravadas depois de 1920, não é propriamente um Blues, mas uma espécie de balada bem ritmada, e se sabemos que o Blues provavelmente não existia na época em que Charlotte Forten se encontrava em Edito Island, o espírito do Blues em si já existia e o termo "Blues", com todas as suas conotações depressivas e de fossa, certamente era muito difundido entre os negros.


Poor Rosy



3. A música dos negros durante a escravidão

a) Natureza da Música

Os relatos que temos dessa época, principalmente os feitos por uma famosa atriz inglesa Fannie Anne Kemble, quando de sua estadia em uma plantação na Geórgia, dão conta de que os brancos interpretavam o Blues como sendo uma música extraordinariamente selvagem e difícil de relatar; a maneira pela qual o coro explode entre cada frase da melodia cantada por uma voz solista é muito curiosa e eficaz. Ela define assim a função desses cantos; ritmar o trabalho e fazer com que pareça mais leve.
0 que pode surpreender muito mais é o fato de que Jefferson não revela nenhum traço de tambores entre os escravos negros. 0 Black Code aplicado pelos plantadores do Sul estipula que os escravos não têm o direito de tocar tambores ou flautas que "poderiam ser usados, tal qual na África, como meios de linguagem e de comunicação e poderiam servir para incitar à revolta".
  

b) Função da música

b.1. O trabalho nos campos
Os negros arrancados da África eram considerados unicamente como um capital humano destinado ao trabalho. A única chance de sobrevivência para o escravo negro era ser uma boa ferramenta de trabalho. Toda capacidade de qualquer natureza de que fazia prova o escravo era usada pelo senhor se pudesse servir ao trabalho. Isso aplica-se perfeitamente à música: o canto tradicional africano (com um solista e a resposta em coro do grupo) que ritmava os trabalhos do campo na África do Oeste foi, parece, transposto tal e qual para as plantações americanas. Trata-se, é claro, de work-songs, empregadas ainda em torno de 1960 nas penitenciárias para negros no Sul.


22 Years a Slave Cotton Field Song



b.2. A religião

Claro que uma sociedade tão profundamente cristã como a dos plantadores escravagistas do Sul não podia fazer a utilização do homem negro unicamente como animal de carga. Depois de durante muito tempo considerarem-se os negros como meio-macacos, resolveu-se evangelizá-los em massa, levando-lhes assim a felicidade de crer em Jesus. Bem depressa, e provavelmente desde o início do século XIX, o canto religioso tornou-se um dos meios de expressão privilegiados (porque, é claro, autorizado) do gênio africano. Com uma considerável capacidade de adaptação, os escravos negros transformaram os hinos batistas e metodistas em cantos que misturavam as origens africana e europeia e que se espalharam no mundo inteiro sob o nome de negro-spirituals.


The Golden Gospel Singers – Oh Freedom!



b.3. A dança

É de se notar que, embora alguns plantadores martirizavam alguns de seus escravos, outros - sem dúvida a maioria - tinham uma atitude benevolente e paternalista, aliviando a consciência enquanto manejavam uma mão-de-obra preciosa e cada vez mais cara no decorrer do século XIX. Aumentam os testemunhos de complacência a respeito de relações amistosas entre brancos e negros nas plantações. As famílias de escravos frequentemente habitavam pequenas casas individuais disseminadas pela plantação e rodeadas por uma horta individual que era de sua propriedade.
  

Da mesma maneira, a noite de sábado era frequentemente reservada aos cantos e danças.
Ainda uma vez, a mistura das danças tradicionais africanas trazidas pelos negros com as danças europeias que os escravos tinham ocasião de ver e ouvir iam resultar nessa "dança das plantações" (plantation dance).


Plantation Dance Ring Shout




Até o próximo encontro!



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