domingo, 17 de maio de 2020

ROCK - Suas Histórias & Suas Magias - Capítulo 2 parte B

ROCK – Suas Histórias & Suas Magias
Capítulo 2 – Parte B
O Nascimento do Blues na Sociedade Americana


4. Afirmação de uma cultura negra depois da emancipação

Não se pode afirmar que o Blues já existia no tempo da escravidão, nem que ele nasceu da emancipação dos escravos, mas sim de transformações da música negra sob o efeito das novas condições socioeconômicas criadas por essa emancipação. 


Blues - Da escravidão à conquista do mundo!





O nascimento do Blues propriamente dito situar-se-ia então, muito provavelmente, no fim do século XIX ou no início do século XX.
  

5. Transformações socioeconômicas do Sul

a) Desmembramento de grandes propriedades
O fim da guerra civil e a ocupação do Sul pelos nortistas levaram em ampla medida ao desaparecimento das plantações de um só proprietário e ao desmembramento em pequenas fazendas.
  
Soldados Norte-Americanos acampados

Os antigos escravos tornaram-se trabalhadores assalariados.
Os negros passaram a ter a possibilidade de comprar terras através de organismos criados para a ocasião e geralmente constituídos de aventureiros, fraudadores e especuladores. Por outro lado, a imensa maioria dos negros emancipados não tinha evidentemente nenhuma possibilidade financeira para tal empreendimento.
  
Campos de algodão

Com efeito, os escravos negros foram em uma ampla maioria empregados como arrendatários, com o direito de cultivar um pequeno pedaço de terra em troca de deveres exorbitantes: 80 a 90% da colheita devida ao proprietário e uma dívida para toda sua vida - e a de seus herdeiros - para com o Armazém Geral mais próximo (o que queria dizer várias milhas de distância e às vezes várias dezenas de milhas), frequentemente também possuído pelo mesmo proprietário da terra.


Da lavoura ao blues - A música que veio dos cânticos dos escravos



Mas as correntes de escravos trabalhando uns amarrados aos outros e retomando em coro as work-songs estavam desmanteladas. Em seu lugar se desenvolve o canto de um cultivador solitário guiando sua mula ou puxando seu arado, saudando o assovio de um trem longínquo ou o barulho do vento nas árvores, improvisando sem outra restrição que não a tradição aninhada no âmago de seu inconsciente que se chamavam hollers.

b) Desenvolvimento de um subproletariado industrial
Nem todos os negros, contudo, tornaram-se arrendatários: aliás, com a alta natalidade registrada depois da emancipação, não se tinha necessidade de todos esses braços.
Uma parte deles procurou trabalho em pequenas fábricas (metalúrgicas, refinarias) que começavam a despontar ao redor das grandes cidades do Sul, ou como lenhadores (rachadores de lenha, desmatadores), ou nas fábricas de terebentina que eram criadas perto de jazigos florestais, em canteiros de obras de grandes trabalhos (construção de estradas, de vias férreas, de barragens) ou ainda como barqueiros e também, e talvez sobretudo, nos entrepostos de algodão ou de usinas têxteis.
Assim se desenvolveu, da Guerra de Secessão à Primeira Guerra Mundial, uma corrente de migração contínua das plantações para as cidades do Sul, significando uma mudança de atividade para os negros e preparando-os para a grande migração para o Norte que iria começar verdadeiramente depois de 1918.
Os que escolheram (ou tiveram de) abandonar os trabalhos agrícolas formaram rapidamente um subproletariado miserável, morando em cabanas insalubres às portas das cidades, corroídos pela sub-educação, pelo alcoolismo, pelo amontoamento de famílias e pela promiscuidade, pela ausência de perspectivas de futuro. O lenhador, o trabalhador das matas, o construtor de diques, o barqueiro, enfim, todos continuaram (ou reencontraram) a tradição das work-songs, modificadas pela dos hollers já largamente implantada nas fazendas que acabavam de deixar.

c) O aparecimento dos músicos profissionais
A existência desse subproletariado semiurbano criou uma extraordinária procura de divertimentos: lojas de bebidas, salas de jogo, espeluncas clandestinas, casas de prostituição, tendo sempre música. Muito rapidamente, apareceu uma categoria social nessas novas comunidades negras: a do músico cego ou aleijado, inapto para o trabalho manual, resmungando contra o duro trabalho da cultura do algodão ou simplesmente infringindo as leis em sua comunidade de origem e fugindo à justiça. Frequentemente itinerante, o músico, contador de histórias, cantor de canções - songster, como começou a ser chamado - passa de vilarejo em vilarejo, de campos florestais a barragens em construção, distraindo trabalhadores e contramestres, trabalhadores agrícolas e florestais, em troca de pouso, comida e uma garrafa de uísque.
  

O cantor tocava também um instrumento para marcar o ritmo e fazer dançar, mas um instrumento que podia levar em suas peregrinações - inicialmente um banjo ou um violino, mas logo, e cada vez mais à medida que o século XX avançava, uma guitarra leve, prática e barata muito mais completa que o violino e muito mais flexível que o banjo.
É claro que as casas de jogo e os prostíbulos, e logo os cinemas mudos, tinham frequentemente seu músico particular, bem vestido e bem munido, usando piano para tocar os temas trazidos dos campos assim como as baladas em voga nas grandes cidades do Norte, que ele adaptava à sensibilidade negra, usando principalmente e urna vez mais uma abundância de Blues-notes obtidas com dificuldade, enrolando panos em alguns martelos de seu piano.

d) Isolamento dos negros na sociedade sulista
A supressão da escravidão modificou de forma considerável o lugar dos negros na sociedade sulista.
As intenções generosas da Reconstrução e da ocupação do Sul pelas tropas ianques no imediato pós-guerra permitiram efetivamente aos antigos escravos, às vezes, o acesso a um certo nível de educação e o exercício de um mínimo de direitos cívicos, entre eles o direito de voto.
Mas em 1877, as últimas tropas nortistas deixaram o estado de Luisiana, colocando fim a uma ocupação muito difícil e freando também o empreendimento de reconstrução que se revelou então um fracasso total. A ideia de uma reconciliação necessária entre o Norte e o Sul para construir uma nação veio sem dificuldades se fazer nas costas dos negros.

e) Subcidadania
Para os negros, a saída das tropas nortistas tomou a feição de um desastre, e o espírito de revanche dos brancos sulistas e principalmente dos mais extremistas agrupados em associações secretas, racistas e violentas, como a Ku Klux Klan ou os Cavaleiros do Branco Camélia, veio se exercer imediatamente e com ferocidade sobre os antigos escravos promovidos a "cidadãos iguais".
Eram frequentes os relatos de linchamentos estarrecedores.
O que acabou por forçar a eliminação de muitos direitos dos negros.

f) Segregação
Paralelamente, importantes medidas de separação das raças em todos os lugares públicos eram implementadas.
  
Ku Klux Kan

No Sul a segregação significava para os negros escolas mais pobres, hospitais mais desguarnecidos, transportes mais caóticos, a certeza, de qualquer forma, de ter sempre os prédios mais miseráveis e sórdidos do que os dos brancos.
A chegada da crise econômica no começo da década de 1890 atingiu a monocultura dos estados do Sul duramente, os negros passaram a ser presos por questões absolutamente fúteis, aumentando a população carcerária, que serviria de mão-de-obra compulsória à todos que dela necessitassem. Esses negros eram acorrentados uns aos outros e supervisionados por “mestres” armados de chicote. Por tudo isso, a vida dos negros do Sul no início do século XX era mais difícil e mais precária que nos tempos da escravidão.

g) A alma negra
Entre 1895 e 1900, floresceram seitas religiosas negras em todo o Sul e Sudoeste, das quais a mais célebre era a dos pentecostais. Essas novas Igrejas negras eram animadas por um fervor religioso extraordinário que encontrava sua expressão natural nas Gospel Songs, herdeiras diretas dos negro-spirituals do tempo da escravidão e que veiculavam uma força de contestação e de afirmação de sua própria cultura na mesma proporção em que os brancos não se preocupavam mais em evangelizar as "almas negras".
  


Precious Lord - Little Richard (Gospel Music 1960)



Harlem Gospel Choir - Amazing Grace



Assim surgiram notáveis preachers negros, verdadeiros guias espirituais da comunidade negra, a quem se escutava com atenção e a quem às vezes se venerava. Também cada vez mais freqüentemente, o preacher aumentava a força de sua mensagem ao entregá-la cantando e tocando guitarra ou piano.

h) Aparecimento da balada negra: o Blues
Paralelamente, o songster elaborava, sobre o modelo das baladas populares de origem anglo-saxônica, verdadeiras canções de gesta, que falavam de homens negros a homens negros. Tal acontecimento, tal personalidade, tal bairro de tal cidade, tal marginal lutando contra a sociedade (... dos brancos) davam matéria a uma balada que era divulgada de vilarejo em cidade, de acampamento de trabalhadores em bordel, que era retomada, aumentada, aperfeiçoada, adaptada à personalidade de cada novo contador.
Como se lembrava Furry Lewis, que conheceu bem toda essa época:
"... o songster ia à igreja, e o pregador vinha dançar no vilarejo, o jovem músico vencia ao tornar-se pianista em um dos bares de Memphis e freqüentemente, com a idade, tornava-se pregador".
Pouco a pouco, essas grandes atividades musicais dos negros americanos se influenciaram mutuamente, imbricaram-se umas sobre as outras, dando um embrião de codificação, uma espécie de "regra de ouro da balada negra" que, alguns anos mais tarde, o disco veio reforçar e depois estratificar.
  
As Chain Gangs

Foi assim que em algum lugar do século XX - do fazendeiro solitário dedilhando seus hollers, chaing gangs de prisioneiros perpetuando os sotaques das work-songs do tempo da escravidão, do pregador inflamando as almas dos fiéis com a ajuda de sua guitarra, do pianista de casa de jogo martelando suas teclas para que sua clientela dançasse e do cantor itinerante disseminando suas baladas - surgiu o Blues.



Lightning- Long John - Old Song by a Chain Gang



Southern Prison Blues Rosie Chain Gang Blues



Chain Gang - Cadence (1990)



Chain Gang - Sam Cooke



Bring It On Home - Roger Ridley




Hugh Laurie - Saint James Infirmary (Let Them Talk)




Até o próximo encontro!



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